Manual de Direito Penal TÍTULO I DA APLICAÇÃO DA LEI PENAL


Anterioridade da Lei Art. 1º Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal.
■ Conceito de Direito Penal:Direito Penal é oconjunto de princípios e leisdestinados a combater ocrime e a contravenção penal,mediante a imposição desanção penal (pena ou medida de segurança).
■ Alocação na Teoria Geral do Direito:Cuida-se deramo do Direito Público, por ser composto de regras indisponíveis e obrigatoriamente impostas a todas as pessoas. Além disso, o Estado é o titular exclusivo do direito de punir e figura como sujeito passivo constante nas relações jurídico-penais.
■ Nomenclatura:É mais apropriado falar emDireito Penal, em vez de Direito Criminal, pois o Decreto-lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940, recepcionado pela Constituição Federal de 1988 como lei ordinária, instituiu o Código Penal em vigor. A CF/88 adotou também a expressão Direito Penal(art. 22, I).
■ Função do Direito Penal – a proteção de bens jurídicos: apenas os interessesmais relevantessão erigidos à categoria de bens jurídicos penais, em face do caráter fragmentário e da subsidiariedade do Direito Penal. O legisladorseleciona, em um Estado Democrático de Direito, os bens especialmente relevantes para a vida social e, por isso mesmo,
merecedores da tutela penal. Dessa forma, a noção de bem jurídico acarreta na realização de umjuízo de valor positivoacerca de determinado objeto ou situação social e de sua importância para o desenvolvimento do ser humano. E, para coibir e reprimir as condutas lesivas ou perigosas a bens jurídicos fundamentais, a lei penal se utiliza de rigorosas formas de reação, quais sejam, penas e medidas de segurança. A proteção de bens jurídicos é amissão precípua,quefundamenta e confere legitimidadeao Direito Penal.
■ Direito Penal como instrumento de controle social: Ao Direito Penal é também reservado o controle social ou a preservação da paz pública, compreendida como a ordem que deve existir em determinada coletividade. Dirige-se a todas as pessoas, embora nem todas elas se envolvam com a prática de infrações penais.
■ Direito Penal como garantia:O Direito Penal tem a função de garantia, funcionando como umescudoaos cidadãos, uma vez que só pode haver punição caso sejam praticados os fatos expressamente previstos em lei como infração penal.
■ Função simbólica do Direito Penal:A função simbólica é inerente a todas as leis, não dizendo respeito somente às de cunho penal. Não produz efeitos externos, mas somentena mente dos governantes e dos cidadãos. Em relação aos primeiros, acarreta a sensação de terem feito algo para a proteção da paz pública. Quanto aos cidadãos, proporciona a falsa impressão de que o problema da criminalidade se encontra sob o controle das autoridades, buscando transmitir à opinião pública a impressão tranquilizadora de um legislador atento e decidido. Manifesta-se, comumente, nodireito penal do terror, que se verifica com ainflação legislativa, criando-se exageradamente figuras penais desnecessárias (direito penal de emergência), ou então com o aumento desproporcional e injustificado das penas para os casos pontuais (hipertrofia do Direito Penal). A função simbólica deve ser afastada, pois, em curto prazo, cumpre funções educativas e promocionais dos programas de
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governo, tarefa que não pode ser atribuída ao Direito Penal. Além disso, em longo prazo resulta na perda de credibilidade do ordenamento jurídico, bloqueando as suas funções instrumentais.
■ Função motivadora do Direito Penal:O Direito Penal motiva os indivíduos a não violarem suas normas, mediante a ameaça de imposição cogente de sanção na hipótese de ser lesado ou colocado em perigo determinado bem jurídico.
■ Função de redução da violência estatal:Tal finalidade se verifica com a imposição de pena que, embora legítima, representa sempre uma agressão aos cidadãos. Destarte, deve-se buscar de forma constante a incriminação de condutas somente nos casos estritamente necessários, em homenagem ao direito à liberdade constitucionalmente reservado a todas as pessoas.
■ Dogmática penal:A dogmática penal tem a missão de conhecer o sentido das normas e princípios jurídico-penais positivos e desenvolver de modo sistemático o conteúdo do Direito Penal. Tem as normas positivas como ponto de partida para solução dos problemas. O direito é parte componente da cultura humana e deve ser interpretado de modo que lhe permita cumprir as tarefas éticas, sociais e econômicas da atualidade. Nesse sentido,a dogmática penal é a interpretação, sistematização e aplicação lógico-racional do Direito Penal.
■ Política criminal:Ciência independente que tem por objeto a apresentação de críticas e propostas para a reforma do Direito Penal em vigor. Visa a análise crítica e metajurídica do direito positivo, no sentido deajustá-lo aos ideais jurídico-penais e de justiça. Encontrase intimamente relacionada com a dogmática, uma vez que na interpretação e aplicação da lei penal interferem critérios de política criminal. Baseia-se em considerações filosóficas, sociológicas e políticas, e também de oportunidade, em sintonia com a realidade social, para propor
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modificações no sistema penal vigente. As leis penais são frutos de uma determinada vontade política manifestada pelos cidadãos por intermédio de seus representantes junto aos Poderes do Estado. Na instituição ou adoção de princípios e regras refletidas pelo sistema penal de um povo estão as marcas sensíveis de sua civilização e cultura, razão pela qual se pode falar emleis que pegameleis que não pegamcomo demonstração da afinidade ou do divórcio entre os interesses dos indivíduos e a vontade do Estado. A política criminal é o filtropara revelar esses fenômenos. Essa ciência analisa de forma crítica a dinâmica dos fatos sociais e, comparando-a com o sistema penal vigente, propõe inclusões, exclusões ou mudanças, visando atender o ideal de justiça, colaborando, pois, com a Dogmática Penal.
■ Criminologia:A criminologia é a ciência que se ocupa das circunstâncias humanas e sociais relacionadas com o surgimento, a prática e a maneira de evitar o crime, assim como do tratamento dos criminosos. Preocupa-se com osaspectos sintomáticos, individuais e sociais do crime e da criminalidade, enquanto o Direito Penal se dedica ao estudo das consequências jurídicas do delito.
■ Direito Penal fundamental ou Direito Penal primário: Engloba o conjunto de normas e princípios gerais, aplicáveis inclusive às leis penais especiais, desde que estas não possuam disposição expressa em sentido contrário (art. 12 do CP). É composto pelas normas da Parte Geral do Código Penal e, excepcionalmente, por algumas de amplo conteúdo, previstas na Parte Especial, como é o caso do conceito de domicílio (art. 150, §§ 4º e 5º) e de funcionário público (art. 327).
■ Direito Penal complementar ou Direito Penal secundário: É o conjunto de normas que integram o acervo da legislação penal extravagante.
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■ Direito Penal comum:Aplica-se indistintamente a todas as pessoas. É o caso do Código Penal, e também de diversas leis especiais, sujeitos à aplicação pela Justiça Comum.
■ Direito Penal especial:Aplica-se apenas às pessoas que preenchem certas condições legalmente exigidas, como o Código Penal Militar (Decreto-lei 1.001/1969), a Lei 1.079/1950 (crimes de responsabilidade do Presidente da República, Ministros de Estado, Ministros do Supremo Tribunal Federal, Procurador-Geral da República, Governadores e Secretários dos Estados) e o Decreto-lei 201/1967 (responsabilidade dos prefeitos e vereadores).
■ Direito Penal geral:Tem incidência em todo o território nacional. É o produzido pela União, ente federativo com competência legislativa privativa para tanto (CF, art. 22, I).
■ Direito Penal local:Aplica-se somente sobre parte delimitada do território nacional. É o Direito Penal elaborado pelos Estados-membros, desde que autorizados por lei complementar a legislar sobre questões específicas (CF, art. 22, parágrafo único).
■ Direito Penal objetivo:É o conjunto de leis penais em vigor.
■ Direito Penal subjetivo:É o direito de punir, oius puniendi, exclusivo do Estado, o qual nasce no momento em que é violado o conteúdo da lei penal incriminadora.
■ Direito Penal material:Também conhecido comosubstantivo, por ele se entende a totalidade de leis penais em vigor. É o Direito Penal propriamente dito.
■ Direito Penal formal:Denominado ainda deadjetivo, é o grupo de leis processuais penais em vigor. É o Direito Processual Penal.
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■ Fontes do Direito Penal:No Direito Penal, fonte representa não só a origem,mas também aforma de manifestaçãoda lei penal. Por tal motivo, as fontes são dividas em formais ou materiais. Fontes materiais, substanciais ou de produção:São os órgãos constitucionalmente encarregados de elaborar o Direito Penal. Essa tarefa é precipuamente da União (art. 22, I, da CF). Lei complementar da União pode autorizar os Estados-membros a legislar sobrequestões específicas, de interesse local (CF, art. 22, parágrafo único).Fontes formais, cognitivas ou de conhecimento:São os modos pelos quais o Direito Penal se revela. Subdividem-se em:a) Fonte formal imediata:é a lei, regra escrita concretizada pelo Poder Legislativo em consonância com a forma determinada pela CF. Enseja a produção da norma e torna obrigatório o seu cumprimento. É aúnicafonte formal imediata, pois somente a lei pode criar crimes e cominar penas (princípio da reserva legal). b) Fontes formais mediatas ou secundárias:são os costumes, os princípios gerais do Direito e os atos administrativos.
■ Fontes formais mediatas:a) Costumeé a reiteração de uma conduta, de modo constante e uniforme, por força da convicção de sua obrigatoriedade. Possui um elementoobjetivo, relativo ao fato (reiteração da conduta) e outrosubjetivo, inerente ao agente (convicção da obrigatoriedade). Ambos devem estar presentes cumulativamente. No Direito Penal, o costume nunca pode ser empregado para criar delitos ou aumentar penas. Os costumes se dividem: 1)secundum legemou interpretativo:auxilia o intérprete a esclarecer o conteúdo de elementos ou circunstâncias do tipo penal. No passado, pode ser lembrada a expressão “mulher honesta”, a qual era compreendida de diversas formas ao longo do território nacional;2)contra legemou negativo:também conhecido comodesuetudo, é aquele que contraria a lei, mas não tem o condão de revogá-la;c)praeter legemou integrativo:supre a lacuna da lei e somente pode ser utilizado na seara das normas penais não incriminadoras, notadamente para possibilitar o surgimento de causas supralegais de exclusão da ilicitude ou da culpabilidade; b) Princípios gerais do Direitosão osvalores fundamentaisque inspiram a elaboração e a
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preservação do ordenamento jurídico. Não podem ser utilizados para tipificação de condutas ou cominação de penas. Sua atuação se reserva ao âmbito das normas penais não incriminadoras; c) Atos da Administração Pública: no Direito Penal, funcionam como complemento de algumasleis penais em branco.
■ Fonte formal imediata:É a lei penal, uma vez que, por expressa determinação constitucional, tem a si reservado, exclusivamente, o papel de criar infrações penaise cominar-lhes as penas respectivas. Sua estrutura apresenta umpreceito primário(conduta) e umpreceito secundário(pena). As leis penais podem serincriminadoras;não incriminadoras(permissivas, exculpantes; interpretativas; de aplicação, finais ou complementares; diretivas; integrativas ou de extensão); completas ou perfeitas; eincompletas ou imperfeitas. A lei penal não é proibitiva, masdescritiva. A legislação penal brasileira optou pela proibição indireta, descrevendo o fato como pressuposto da sanção – técnica legislativa desenvolvida porKarl Bindinge chamada deteoria das normas, segundo a qual é necessária a distinção entre norma e lei penal. A norma cria o ilícito, a lei cria o delito.
■ Princípios do Direito Penal:Princípios são osvalores fundamentais que inspiram a criação e a manutenção do sistema jurídico. No Direito Penal, os princípios têm a função deorientar o legislador ordinário, no intuito de limitar o poder punitivo estatal mediante a imposição de garantias aos cidadãos.
■ Princípio da reserva legal ou da estrita legalidade: Previsto no art. 5º, XXXIX, da CF e no art. 1º do CP, cuida-se decláusula pétrea. Preceitua, basicamente, aexclusividade da leipara a criação de delitos (e contravenções penais) e cominação de penas, possuindo indiscutível dimensão democrática, pois representa a aceitação pelo povo, representado pelo Congresso Nacional, da opção legislativa no âmbito criminal. De fato, não há crime sem lei que o defina, nem pena sem cominação legal (nullum crimen nulla poena sine lege). É vedada a edição de medidas
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provisórias sobre matéria relativa a Direito Penal (CF, art. 62, § 1º, inc. I, alíneab), muito embora existam entendimentos pela admissibilidade quando versarem sobre matéria favorável ao acusado. – Fundamentos:Tal princípio possui um fundamento de natureza jurídica e outro de natureza política. O fundamento jurídicoé ataxatividade, certezaoudeterminação (não há espaço para a analogiain malam partem), pois implica, por parte do legislador, a determinação precisa, ainda que mínima, do conteúdo do tipo penal e da sanção penal a ser aplicada, bem como, da parte do juiz, na máxima vinculação ao mandamento legal, inclusive na apreciação de benefícios legais. O fundamentopolíticoé aproteção do ser humanoem face do arbítrio do poder de punir do Estado. Enquadra-se, destarte, entre osdireitos fundamentais de 1ª geração. – Nomenclatura:A doutrina consagrou, corretamente, as expressões reserva legaleestrita legalidade, pois somente se admitelei em sentido material(matéria reservada à lei) eformal(lei editada em consonância com o processo legislativo previsto na Constituição Federal). O termolegalidadenão é correto, pois nele se enquadram quaisquer das espécies normativas elencadas pelo art. 59 da Constituição Federal, e não apenas a lei. – Princípio da reserva legal e mandados de criminalização: A Constituição Federal brasileira, seguindo o modelo de algumas constituições europeias, estabelece mandados explícitos e implícitos de criminalização (ou penalização). Cuida-se de hipóteses de obrigatória intervenção do legislador penal. Com efeito, os mandados de criminalização indicam matérias sobre as quais o legislador ordinário não tem a faculdade de legislar, mas a obrigatoriedade de tratar, protegendo determinados bens ou interesses de forma adequada e, dentro do possível, integral. Os mandados de criminalização explícitoscontidos na Constituição Federal são encontrados nos arts. 5.°, incisos XLII (racismo), XLIII (tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, terrorismo e crimes hediondos) e XLIV(ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado
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democrático), e § 3.° (os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais), 7.°, inciso X (retenção dolosa do salário dos trabalhadores), 227, § 4.° (abuso, violência e exploração sexual da criança ou adolescente) e 225 (condutas lesivas ao meio ambiente). Há, também, mandados implícitos de criminalização, podendo ser citado o exemplo do necessário e urgente combate eficaz à corrupção eleitoral. Alguns dos mandados de criminalização já foram atendidos pelo legislador ordinário, de modo satisfatório (é o caso da Lei 8.072/1990, que definiu os crimes hediondos, e, juntamente com os assemelhados, a eles conferiu tratamento mais severo); outros de forma insuficiente; vários simplesmente ignorados. E, dentre os olvidados pelo legislador, destaca-se a tipificação legal do terrorismo, crime equiparado aos hediondos e ainda não definido a contento.1
■ Princípio da anterioridade:Decorre também do art. 5º, XXXIX, da CF, e do art. 1º do CP, quando estabelecem que o crime e a pena devem estar definidos em leipréviaao fato cuja punição se pretende. A lei penal produz efeitos a partir de sua entrada em vigor, não se admitindo sua retroatividade maléfica. Não pode retroagir, salvo se beneficiar o réu. É proibida a aplicação da lei penal inclusive aos fatos praticados durante seu período devacatio. Embora já publicada e vigente, a lei ainda não estará em vigor e não alcançará as condutas praticadas em tal período. Vale destacar, entretanto, a existência de entendimentos no sentido de aplicabilidade da lei emvacatio, desde que para beneficiar o réu.
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■ Outros princípios do Direito Penal:Ao lado do princípio da reserva legal, o Direito Penal prevê diversos outros princípios. A quantidade e a denominação dos princípios penais variam entre os doutrinadores. Vejamos os principais. 1) Princípio da insignificância ou da criminalidade de bagatela: Surgiu no Direito Civil, derivado do brocardode minimus non curat praetor.O Direito Penal não deve se ocupar de assuntos irrelevantes, incapazes de lesar o bem jurídico legalmente tutelado. Na década de 70 do século passado, foi incorporado ao Direito Penal pelos estudos de Claus Roxin. Calcado em valores de política criminal, funciona comocausa de exclusão da tipicidade, desempenhando uma interpretação restritiva do tipo penal. – Requisitos:Para o Supremo Tribunal Federal, a mínima ofensividade da conduta, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica constituem os requisitos de ordem objetivaautorizadores da aplicação desse princípio. O reduzido valor patrimonial do objeto material não autoriza, por si só, o reconhecimento da criminalidade de bagatela. Exigem-se também requisitos subjetivos. Não há um valor máximo apto a limitar a incidência do princípio da insignificância. Sua análise há de ser
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efetuada levando-se em conta o contexto em que se deu a prática da conduta. – Natureza jurídica:Com a caracterização desse princípio, operase tão somente atipicidade formal,não havendo tipicidade material, compreendida como o juízo de subsunção capaz de lesar ou ao menos colocar em perigo o bem jurídico penalmente tutelado. Trata-se, portanto, decausa supralegal de exclusão da tipicidade. – Aplicabilidade:Para o STF,o trânsito em julgado da condenação não impede seu reconhecimento. O princípio da insignificância temaplicação a qualquer espécie de delito que com ele seja compatível,e não apenas aos crimes contra o patrimônio. O STJ possui entendimento no sentido da inadmissibilidade do princípio da insignificância no tocante aos crimes contra a Administração Pública, mas o STF já o admitiu em situações excepcionais. Na seara doscrimes praticados por prefeitos, o STF também já reconheceu a incidência deste princípio. Também incide noscrimes contra a ordem tributária, a exemplo do descaminho(CP, art. 334), quando o tributo devido não ultrapassa o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais). No tocante ao crime de apropriação indébita previdenciária, o Excelso Pretório rechaçou o princípio da insignificância, com fundamento no valor supraindividual do bem jurídico tutelado, o que torna irrelevante o pequeno valor das contribuições sociais desviadas da Previdência Social. Tal princípio não é admitido em crimes praticados com emprego de violência à pessoa ou grave ameaça,pois os reflexos daí resultantes não podem ser considerados insignificantes, ainda que a coisa subtraída apresente ínfimo valor econômico. A jurisprudência do STF, via de regra,impede o princípio da insignificância no tocante aos crimes previstos na Lei 11.343/2006 – Lei de Drogas. Não há espaço para o princípio da insignificância em relação ao crime de posse de droga em estabelecimento militar, definido no art. 290 do Decreto-lei 1.001/1969 – Código Penal
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Militar. Também não se admite o postulado da insignificância no tocante aocrime de tráfico internacional de arma de fogo, pois cuida-se de crime de perigo abstrato e atentatório à segurança pública. O cabimento do princípio deve ser analisado em cada caso concreto, de acordo com as suas especificidades, e não no plano abstrato. O STJ não admitiu a bagatela na hipótese em que se obteve dos cofres públicos, mediante fraude, valores decorrentes de recebimento de benefício do programa assistencial Bolsa Família. O STF, de igual modo, não aceitou o princípio da insignificância no tocante ao crime previsto no artigo 289, § 1º, do CP. – Condições e prejuízo suportado pela vítima:Ascondições pessoais da vítimapodem influir no cabimento do princípio da insignificância. A análise daextensão do danocausado ao ofendido é imprescindível para aquilatar o cabimento do princípio da insignificância. Ovalor sentimental do bemexclui o princípio da insignificância, ainda que o objeto do crime não apresente relevante aspecto econômico. – Crimes de bagatela e infrações penais de menor potencial ofensivo – distinção:Não se pode confundir a criminalidade de bagatela com asinfrações penais de menor potencial ofensivo, definidas pelo art. 61 da Lei 9.099/1995. Nessas últimas, tanto não há falar em insignificância da conduta que a situação foi expressamenteprevista no art. 98, I, da CF, e regulamentada posteriormente pela legislação ordinária, revelando a existência de gravidade suficiente para justificar a intervenção estatal. O princípio da insignificância é aplicável às infrações penais de menor potencial ofensivo (contravenções penais e crimes com pena máxima em abstrato igual ou inferior a dois anos, cumulada ou não com multa). É cabível, também, nos crimes de médio potencial ofensivo,ou seja, compena mínima igual ou inferior a um ano, qualquer que seja a pena máxima, dos quais o principal exemplo é o furto simples (CP, art. 155,caput). E, em alguns casos, também incide emcrimes de elevado potencial ofensivo(pena mínima
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superior a um ano e pena máxima superior a dois anos), desde que praticado sem violência à pessoa ou grave ameaça. – A questão da reincidência:Quanto aoréu reincidente, o STJ já se posicionou favoravelmente à incidência do princípio da insignificância,por se tratar de causa de exclusão da tipicidade, que em nada se relaciona com a dosimetria da pena. O STF também já se posicionou nesse sentido. Esta linha de reflexão, contudo, não é pacífica, havendo julgados em sentido contrário tanto no STF quanto no STJ. – Furto insignificante e furto de pequeno valor: Cumpre distinguir o delito de furto, em que tem frequente incidência o princípio da insignificância, dofurto privilegiado. Neste a coisa é de pequeno valor (inferior a um salário mínimo), enquanto naquele seu valor é irrelevante para o Direito Penal. – Habitualidade criminosa:É circunstância impeditiva do princípio da insignificância. – Atos de improbidade administrativa:O STJ já decidiu pela inaceitabilidade do princípio da insignificância em ato de improbidade administrativa(sem natureza penal). Com efeito, o bem jurídico que a Lei de Improbidade (Lei 8.429/1992) busca salvaguardar é a moralidade administrativa, que deve ser objetivamente considerada: ela não comporta relativização a ponto de permitir “só um pouco” de ofensa. Daí não se aplicar o princípio da insignificância às condutas judicialmente reconhecidas como ímprobas, pois não existe ofensa insignificante ao princípio da moralidade. Vige, em nosso sistema jurídico, o princípio da indisponibilidade do interesse público, a que o Poder Judiciário também está jungido. – Crimes ambientais:No que concerne aoscrimes ambientais, o STJ aplicou o princípio em análise quanto ao delito de apetrecho proibido para pesca (Lei 9.605/1998, art. 34, parágrafo único, II),
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mas existe julgado vedando a incidência do princípio da insignificância no campo dos crimes ambientais. – Atos infracionais:O STF aceita a utilização do princípio da insignificância no campo dosatos infracionais, isto é, crimes e contravenções penais cometidos por crianças ou adolescentes (Lei 8.069/1990 – ECA, art. 103). – Rádios piratas:O STF já autorizou, em caráter excepcional, o princípio da insignificância no tocante ao delito de rádio comunitária clandestina (Lei 9.472/1997, art. 183), pois o serviço de radiodifusão utilizado pela emissora não apresentava capacidade para interferir, de modo relevante, nos demais meios de comunicação. – Princípio da insignificância e sua valoração pela autoridade policial:O STJ entende que somente o Poder Judiciário é dotado de poderes para efetuar o reconhecimento do princípio da insignificância. A autoridade policial está obrigada a efetuar a prisão em flagrante, cabendo-lhe submeter imediatamente a questão à autoridade judiciária competente. Com o devido respeito, ousamos discordar, tendo em vista que o princípio da insignificância afasta a tipicidade do fato. Se o fato é atípico para a autoridade judiciária, também apresenta igual natureza para a autoridade policial. – Princípio da insignificância imprópria ou da criminalidade de bagatela imprópria:De acordo com esse princípio, sem previsão legal no Brasil, inexiste legitimidade na imposição da pena nas hipóteses em que, nada obstante a infração penal esteja indiscutivelmente caracterizada, a aplicação da reprimenda desponte como desnecessária e inoportuna. A análise da pertinência da bagatela imprópria há de ser realizada, obrigatoriamente, na situação fática, e jamais no plano abstrato. O fato real deve ser confrontado com um princípio basilar do Direito Penal, qual seja, o danecessidade da pena(art. 59,caput, do CP). O juiz, levando em conta as circunstâncias simultâneas e posteriores ao fato típico
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e ilícito cometido por agente culpável, deixa de aplicar a pena, pois falta interesse para tanto. Ao contrário do que se verifica no princípio da insignificância (própria), o sujeito é regularmente processado. A ação penal precisa ser iniciada, mas a análise das circunstâncias do fato submetido ao crivo do Poder Judiciário recomenda a exclusão da pena. A bagatela imprópria tem como pressuposto inafastável a não incidência do princípio da insignificância (própria). 2) Princípio da individualização da pena:Está previsto no art. 5º, XLVI, da CF, e repousa no princípio de justiça segundo o qual se deve distribuir a cada indivíduo o que lhe cabe, de acordo com as circunstâncias específicas do seu comportamento. O princípio da individualização da pena desenvolve-se em três planos: legislativo– o legislador descreve o tipo penal e estabelece as sanções adequadas, indicando precisamente seus limites, mínimo e máximo, e também as circunstâncias aptas a aumentar ou diminuir as reprimendas cabíveis; judicial– efetivado pelo juiz, quando aplica a pena utilizando-se de todos os instrumentais fornecidos pelos autos da ação penal, em obediência ao sistema trifásico delineado pelo art. 68 do CP, ou ainda ao sistema bifásico inerente à sanção pecuniária CP, art. 49; e administrativo –efetuado durante a execução da pena, quando o Estado deve zelar por cada condenado de forma singular, mediante tratamento penitenciário ou sistema alternativo no qual se afigure possível a integral realização das finalidades da pena: retribuição, prevenção geral e especial –, e ressocialização. 3) Princípio da alteridade:Criado por Claus Roxin, proíbe a incriminação de atitude meramente interna do agente, bem como do pensamento ou de condutas moralmente censuráveis, incapazes de invadir o patrimônio jurídico alheio.Ninguém pode ser punido por causar mal apenas a si próprio,pois uma das características inerentes ao Direito Penal moderno repousa na necessidade de intersubjetividade nas relações penalmente relevantes.
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4) Princípio da confiança:trata-se de requisito para a existência do fato típico e se baseia na premissa de que todos devem esperar por parte das demais pessoas comportamentos responsáveis e em consonância com o ordenamento jurídico, almejando evitar danos a terceiros. Deve-se confiar que o comportamento dos outros se dará de acordo com as regras da experiência, levando-se em conta um juízo estatístico alicerçado naquilo que normalmente acontece (id quod plerumque accidit). 5) Princípio da adequação social:De acordo com esse princípio, não pode ser considerado criminoso o comportamento humano que, embora tipificado em lei,não afrontar o sentimento social de Justiça. 6) Princípio da intervenção mínima ou da necessidade: afirma ser legítima a intervenção penal apenas quando a criminalização de um fato se constituimeio indispensável para a proteção de determinado bem ou interesse, não podendo ser tutelado por outros ramos do ordenamento jurídico. A intervenção mínima tem como destinatários principais o legislador(que deve ser moderado no momento de eleger as condutas dignas de proteção penal, abstendo-se de incriminar qualquer comportamento)e o intérprete do Direito(que não deve proceder à operação de tipicidade quando constatar que a pendência pode ser satisfatoriamente resolvida com a atuação de outros ramos do sistema jurídico, em que pese a criação, pelo legislador, do tipo penal incriminador). É utilizado para amparar a corrente do direito penal mínimo. A compreensão daquilo que se entende por intervenção mínima varia de acordo com as correntes penais e com a interpretação dos operadores do Direito. O princípio da intervenção mínima subdivide-se em outros dois: fragmentariedade e subsidiariedade. – Princípio da fragmentariedade ou caráter fragmentário do Direito Penal:Estabelece que nem todos os ilícitos configuram infrações penais, mas apenas os queatentam contra valores fundamentais para a manutenção e o progresso do ser humano e da sociedade. Em razão de seu caráter fragmentário, o Direito
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Penal é a última etapa de proteção do bem jurídico. Deve ser utilizado noplano abstrato, para o fim de permitir a criação de tipos penais somente quando os demais ramos do Direito tiverem falhado na tarefa de proteção de um bem jurídico, referindo-se, assim, àatividade legislativa. A palavra“fragmentariedade” emana de“fragmento”: no universo da ilicitude, somente alguns blocos, alguns poucos fragmentos constituem-se em ilícitos penais. Pensemos em uma visão noturna: o céu representaria a ilicitude em geral; as estrelas seriam os ilícitos penais. – Princípio da subsidiariedade:A atuação do Direito Penal é cabível unicamente quando os outros ramos do Direito e os demais meios estatais de controle social tiverem se revelado impotentes para o controle da ordem pública. Projeta-se no plano concreto –em suaatuação práticao Direito Penal somente se legitima quando os demais meios disponíveis já tiverem sido empregados, sem sucesso, para proteção do bem jurídico. Guarda relação com a tarefa deaplicação da lei penal. 7) Princípio da proporcionalidade:De acordo com tal princípio, também conhecido comoprincípio da razoabilidadeou daconvivência das liberdades públicas, a criação de tipos penais incriminadores deve constituir-se ematividade vantajosapara os membros da sociedade, eis que impõe um ônus a todos os cidadãos, decorrente da ameaça de punição que a eles acarreta. Sua origem remonta à Magna Carta do Rei João sem Terra, de 1215. Nos moldes atuais, foi desenvolvido inicialmente na Alemanha, sob inspiração de pensamentos jusnaturalistas e iluministas, com os quais se afirmaram as ideias de que a limitação da liberdade individual só se justifica para a concretização de interesses coletivos superiores.2 O princípio da proporcionalidade funciona comoforte barreira impositiva de limites ao legislador. Por corolário, a lei penal que não protege um bem jurídico é ineficaz, por se tratar de intervenção excessiva na vida dos indivíduos em geral. Incide também na dosimetria da pena-base. Possui três destinatários: olegislador(proporcionalidade abstrata), ojuiz
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da ação penal(proporcionalidade concreta) e osórgãos da execução penal(proporcionalidade executória). Modernamente, o princípio da proporcionalidade deve ser analisado sobre uma dupla ótica. Inicialmente, constitui-se em proibição ao excesso, pois é vedada a cominação e aplicação de penas em dose exagerada e desnecessária. Se não bastasse, este princípio impede a proteção insuficiente de bens jurídicos, pois não tolera a punição abaixo da medida correta. 8) Princípio da humanidade:apregoa a inconstitucionalidade da criação de tipos penais ou a cominação de penas que violam a incolumidade física ou moral de alguém. Dele resulta a impossibilidade de a pena passar da pessoa do condenado, com exceção de alguns efeitos extrapenais da condenação, como a obrigação de reparar o dano na esferacivil (CF, art. 5º, XLV). Decorre dadignidade da pessoa humana, fundamento da República Federativa do Brasil consagrado no art. 1º, III, da CF. 9) Princípio da ofensividade ou da lesividade: Não há infração penal quando a conduta não tiver oferecido ao menosperigo de lesão ao bem jurídico. Este princípio atende a manifesta exigência de delimitação do Direito Penal, tanto em nível legislativo como no âmbito jurisdicional. 10) Princípio da exclusiva proteção do bem jurídico: O Direito Penal moderno é o Direito Penal do bem jurídico. Nessa seara, o princípio da exclusiva proteção do bem jurídico veda ao Direito Penal a preocupação com as intenções e pensamentos das pessoas, do seu modo de viver ou de pensar, ou ainda de suas condutas internas, enquanto não exteriorizada a atividade delitiva. O Direito Penal se destina à tutela de bens jurídicos, não podendo ser utilizado para resguardar questões de ordem moral, ética, ideológica, religiosa, política ou semelhantes. Com efeito, a função primordial do Direito Penal é a proteção de bens jurídicos fundamentais para a preservação e o desenvolvimento do indivíduo e da sociedade. O princípio da exclusiva proteção do bem jurídico não se confunde com o princípio da
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alteridade. Neste, há um bem jurídico a ser penalmente tutelado, mas pertencente exclusivamente ao responsável pela conduta legalmente prevista, razão pela qual o Direito Penal não está autorizado a intervir; naquele, por sua vez, não há interesse legítimo a ser protegido pelo Direito Penal. 11) Princípio da imputação pessoal:O Direito Penal não pode castigar um fato cometido por agente que atue sem culpabilidade. Em outras palavras, não se admite a punição quando se tratar de agente inimputável, sem potencial consciência da ilicitude ou de quem não se possa exigir conduta diversa. O fundamento da responsabilidade penal pessoal é a culpabilidade (nulla poena sine culpa). 12) Princípio da responsabilidade pelo fato:Os tipos penais devem definir fatos, associando-lhes as penas respectivas, e não estereotipar autores em razão de alguma condição específica. Não se admite um Direito Penal do autor, mas somente umDireito Penal do fato. Ninguém pode ser punido exclusivamente por questões pessoais. Ao contrário, a pena se destina ao agente culpável condenado, após o devido processo legal, pela prática de um fato típico e ilícito. 13) Princípio da personalidade ou da intranscendência: Ninguém pode ser responsabilizado por fato cometido por terceira pessoa. Consequentemente, a pena não pode passar da pessoa do condenado (CF, art. 5º, XLV). 14) Princípio da responsabilidade penal subjetiva: Nenhum resultado penalmente relevante pode ser atribuído a quem não o tenha produzido por dolo ou culpa. A disposição contida no art. 19 do CP exclui a responsabilidade penal objetiva. 15) Princípio do “ne bis in idem”:Não se admite, em hipótese alguma, adupla punição pelo mesmo fato. Com base nesse princípio foi editada a Súmula 241 do STJ: “A reincidência penal não pode ser considerada como circunstância agravante e, simultaneamente, como circunstância judicial”. A reincidência como agravante genérica quando da prática de novo crime, contudo, não importa em violação desse
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princípio. A regra prevista no art. 61, I, do CP encontra-se em sintonia com o ordenamento jurídico em vigor, pois após ser definitivamente condenado o sujeito cometeu nova infração penal, demonstrando a necessidade de receber tratamento penal mais severo. Finalmente, a existência de duas ou mais ações penais, em searas judiciais diversas (ex: Justiça Comum e Justiça Militar), pela prática de fatos distintos, não acarreta violação a esse princípio. 16) Princípio da isonomia:Consagrou-se o princípio da isonomia, ou da igualdade, como a obrigação de tratar igualmente aos iguais, e desigualmente aos desiguais, na medida de suas desigualdades. No Direito Penal, importa em dizer que as pessoas (nacionais ou estrangeiras) em igual situação devem receber idêntico tratamento jurídico, e aquelas que se encontram em posições diferentes merecem um enquadramento diverso, tanto por parte do legislador como também pelo juiz.
■ Crime – conceito:O conceito de crime é o ponto de partida para a compreensão dos principais institutos do Direito Penal. O crime pode ser conceituado levando em conta três aspectos: material, legal e formal ou analítico. Sobre o conceito de crime, ver comentários ao Título II – Do Crime.
■ Pena – conceito:É a reação que uma comunidade politicamente organizada opõe a um fato que viola uma das normas fundamentais da sua estrutura e, assim, é definido na lei como crime. Trata-se de espécie de sanção penal consistente na privação ou restrição de determinados bens jurídicos do condenado, aplicada pelo Estado em decorrência do cometimento de uma infração penal, com as finalidades de castigar seu responsável, readaptá-lo ao convívio em comunidade e, mediante a intimidação endereçada à sociedade, evitar a prática de novos crimes ou contravenções penais. Sobre a pena,ver comentários ao Título V – Das Penas.
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■ Lei penal:É afonte formal imediatado Direito Penal, uma vez que, por expressa determinação constitucional, tem a si reservado, exclusivamente, o papel de criar infrações penais e cominar-lhes as penas respectivas. Sua estrutura apresenta umpreceito primário(conduta) e outrosecundário(pena). Deve-se observar que a lei penal não é proibitiva, masdescritiva. A legislação penal brasileira optou pela proibição indireta, descrevendo o fato como pressuposto da sanção. Essa técnica legislativa foi desenvolvida porKarl Binding, por ele chamada deteoria das normas, segundo a qual é necessária a distinção entre norma e lei penal. A norma cria o ilícito, a lei cria o delito. A conduta criminosa viola a norma, mas não a lei, pois o agente realiza exatamente a ação que esta descreve. – Classificação:As leis penais podem ser:a) incriminadoras:as que criam crimes e cominam penas, contidas na Parte Especial do CP e na legislação penal especial; b) não incriminadoras:as que não criam crimes nem cominam penas. Subdividem-se em: b1) permissivas: autorizam a prática de condutas típicas, ou seja, são as causas de exclusão da ilicitude. Em regra, estão previstas na Parte Geral, mas algumas são também encontradas na Parte Especial; b2) exculpantes: estabelecem a não culpabilidade do agente ou ainda a impunidade de determinados delitos. Encontram-se comumente na Parte Geral, mas também podem ser identificadas na Parte Especial do CP; b3) interpretativas:esclarecem o conteúdo e o significado de outras leis penais;b4) de aplicação, finais ou complementares:delimitam o campo de validade das leis incriminadoras; b5) diretivas:são as que estabelecem os princípios de determinada matéria; b6) integrativas ou de extensão:são as que complementam a tipicidade no tocante ao nexo causal nos crimes omissivos impróprios, à tentativa e à participação (CP, arts. 13, § 2º, 14, II, e 29,caput, respectivamente);c) completas ou perfeitas:apresentam todos os elementos da conduta criminosa;d) incompletas ou imperfeitas:reservam a complementação da definição da conduta criminosa a uma outra lei, a um ato da Administração Pública ou ao julgador. São as leis penais em branco, nos dois primeiros casos, e os tipos penais abertos, no último.
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– Características da Lei Penal:a)

Exclusividade:só a lei pode criar delitos e penas (CF, art. 5º, XXXIX, e CP, art. 1º).b) Imperatividade:o seu descumprimento acarreta a imposição de pena ou de medida de segurança, tornando obrigatório o seu respeito. c) Generalidade:dirige-se indistintamente a todas as pessoas, inclusive aos inimputáveis. Destina-se a todas as pessoas que vivem sob a jurisdição do Brasil, estejam no território nacional ou no exterior. Justifica-se pelo caráter de coercibilidade que devem ter todas as leis em vigor, com efeito imediato e geral (LINDB, art. 6º). d) Impessoalidade:projeta os seus efeitos abstratamente a fatos futuros, para qualquer pessoa que venha a praticá-los. Há duas exceções, relativas às leis que preveem anistia eabolitio criminis,as quais alcançam fatos concretos.e) Anterioridade:as leis penais incriminadoras apenas podem ser aplicadas se estavam em vigor quando da prática da infração penal, salvo no caso da retroatividade da lei benéfica. – Lei penal em branco:Para Franz von Liszt, leis penais em branco são como“corpos errantes em busca de alma”. Existem fisicamente no universo jurídico, mas não podem ser aplicadas em razão de sua incompletude. A lei penal em branco é também denominada de cegaouaberta, e pode ser definida como a espécie de lei penal cuja definição da conduta criminosa reclama complementação, seja por outra lei, seja por ato da Administração Pública. O seu preceito secundário é completo, o que não se verifica no tocante ao primário, carente de implementação. Divide-se em: a) Lei penal em branco em sentido latoouhomogênea:o complemento tem amesma natureza jurídicae provém domesmo órgãoque elaborou a lei penal incriminadora. Podem serhomovitelinas– quando a lei a ser
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complementada e o complemento estão no mesmo diploma legal (ex: art. 304 do CP), ouheterovitelinas– nas situações em que a lei a ser complementada e o complemento estão contidos em diplomas legais diversos (ex: art. 236 do CP, pois é o Código Civil o instrumento responsável pela definição dos impedimentos matrimoniais). b) Lei penal em branco em sentido estritoouheterogênea:o complemento temnatureza jurídica diversae emana deórgão distinto daquele que elaborou a lei penal incriminadora (ex: art. 33, caput, da Lei 11.343/2006, pois a relação de drogas está prevista em portaria da ANVISA).c) Lei penal em branco inversa ou ao avesso:o preceito primário é completo, mas o secundário reclama complementação (ex: crimes de genocídio – art. 1º da Lei 2.889/1956). Nesse caso, o complemento deve ser obrigatoriamente uma lei, sob pena de violação ao princípio da reserva legal.d) Lei penal em branco de fundo constitucional: o complemento do preceito primário constitui-se em norma constitucional (ex: art. 246 do CP, complementado pelo art. 208 da CF). – Interpretação da lei penal:Interpretação é a tarefa mental que procura estabelecer a vontade da lei, ou seja, o seu conteúdo e significado. A ciência que disciplina este estudo é a hermenêutica jurídica. A atividade prática de interpretação da lei é chamada de exegese. A interpretação sempre é necessária, ainda que a lei se mostre, inicialmente, inteiramente clara, pois podem surgir dúvidas quanto ao seu efetivo alcance. Pode a interpretação ser classificada levando-se em conta o sujeito responsável pela sua realização, os meios de que se serve o intérprete e, por último, os resultados obtidos. 1) Quanto ao sujeito(cuida-se do sujeito ou órgão que realiza a interpretação, classificando-se em autêntica, judicial e doutrinária): (a)Autênticaoulegislativaé aquela de que se incumbe o próprio legislador, quando edita uma lei com o propósito de esclarecer o alcance e o significado de outra. É chamada de interpretativa e tem natureza cogente, obrigatória, dela não podendo se afastar o intérprete. Por se limitar à interpretação, tem eficácia
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retroativa(ex tunc), ainda que seja mais gravosa ao réu. Em respeito à força e à autoridade da coisa julgada, por óbvio não atinge os casos já definitivamente julgados. Pode ser contextual, quando se situa no próprio corpo da lei a ser interpretada, ou posterior, quando surge ulteriormente; (b)Doutrináriaoucientífica é ainterpretaçãoexercida pelos doutrinadores, escritores e articulistas,enfim,comentadores do texto legal. Não tem força obrigatória e vinculante, em hipótese alguma. A Exposição de Motivosdo CP deve ser encarada comointerpretação doutrinária, e não autêntica, por não fazer parte da estrutura da lei; e (c)Judicialoujurisprudencialé interpretação executada pelos membros do Poder Judiciário, na decisão dos litígios que lhes são submetidos. Sua reiteração constitui a jurisprudência. Em regra, não tem força obrigatória, salvo em dois casos: na situação concreta(em virtude da formação da coisa julgada material) e quando constituirsúmula vinculante(CF, art. 103-A, e Lei 11.417/2006). 2) Quanto aos meios ou métodos(quanto ao meio de que se serve o intérprete para descobrir o significado da lei penal): (a) Gramatical,literalousintáticaé a que flui da acepção literal das palavras contidas na lei. Despreza quaisquer outros elementos que não os visíveis na singela leitura do texto legal. É a mais precária, em face da ausência de técnica científica; e (b) Lógica, outeleológica, é aquela realizada com a finalidade de desvendar a genuína vontade manifestada na lei, nos moldes do art. 5º da LINDB. É mais profunda e, consequentemente, merecedora de maior grau de confiabilidade. 3) Quanto ao resultado(refere-se à conclusão extraída pelo intérprete): (a)Declaratória, declarativaouestritaé aquela que resulta da perfeita sintonia entre o texto da lei e a sua vontade. Nada resta a ser retirado ou acrescentado; (b) Extensivaé a que se destina a corrigir uma fórmula legal excessivamente estreita. A lei disse menos do que desejava (minus dixit quam voluit). Amplia-se
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o texto da lei, para amoldá-lo à sua efetiva vontade. Por se tratar de mera atividade interpretativa, buscando o efetivo alcance da lei, é possível a sua utilização até mesmo em relação àquelas de natureza incriminadora; e (c)Restritivaé a que consiste na diminuição do alcance da lei, concluindo-se que a sua vontade, manifestada de forma ampla, não permite seja atribuído à sua letra todo o sentido que em tese poderia ter. A lei disse mais do que desejava (plus dixit quam voluit). 4) Interpretação progressiva, adaptativaouevolutiva:a que busca amoldar a lei à realidade atual. Evita a constante reforma legislativa e se destina a acompanhar as mudanças da sociedade. 5) Interpretação analógica ou “intra legem”:a que se verifica quando a lei contém em seu bojo umafórmula casuísticaseguida de umafórmula genérica. É necessária para possibilitar a aplicação da lei aos inúmeros e imprevisíveis casos que as situações práticas podem apresentar. É o que se dá no art. 121, § 2º, inc. I, do CP, pois o homicídio é qualificado pela paga ou promessa de recompensa (fórmula casuística) ou por outro motivo torpe (fórmula genérica). – Analogia:Não se trata de interpretação da lei penal. De fato, sequer há lei a ser interpretada. Cuida-se, portanto, de integraçãooucolmatação do ordenamentojurídico. A lei pode ter lacunas, mas não o ordenamento jurídico. Também conhecida comointegração analógicaousuplemento analógico, é a aplicação, ao caso não previsto em lei, de lei reguladora de caso semelhante. No Direito Penal, somente pode ser utilizada em relação às leis não incriminadoras, em respeito ao princípio da reserva legal. Seu fundamento repousa na exigência de igual tratamento aos casos semelhantes. Por razões de justiça, fatos similares devem ser tratados da mesma maneira (ubi eadem ratio ibi eadem iuris dispositio). A analogia contém as seguintes espécies:a) Analogiain malam partem,é aquela pela qual aplica-se ao caso omisso uma lei maléfica ao réu,
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disciplinadora de caso semelhante. Não é admitida, como já dito, em homenagem ao princípio da reserva legal. b) Analogia in bonam partem, é aquela pela qual se aplica ao caso omisso uma lei favorável ao réu, reguladora de caso semelhante. É possível no Direito Penal, exceto no que diz respeito às leis excepcionais, que não admitem analogia, justamente por seu caráter extraordinário.c) Analogia legal, oulegis,é aquela em que se aplica ao caso omisso uma lei que trata de caso semelhante.d) Analogia jurídica, oujuris,é aquela em que se aplica ao caso omisso um princípio geral do direito.
■ Jurisprudência selecionada: Analogia in malam partem – inadmissibilidade: “Não é possível abranger como criminosas condutas que não tenham pertinência em relação à conformação estrita do enunciado penal. Não se pode pretender a aplicação da analogia para abarcar hipótese não mencionada no dispositivo legal (analogia in malam partem). Deve-se adotar o fundamento constitucional do princípio da legalidade na esfera penal” (STF: Inq. 1.145/PB, rel. Min. Maurício Corrêa, Tribunal Pleno, j. 19.12.2006). DireitoPenalfundamental:“ODireito Penal reúneoCódigoPenal eas Leis Especiais. O Código, por sua vez, é a matriz dessa área jurídica. Denominado, por isso, Direito Penal Fundamental. Válido para o Direito Penal, a não ser que lei especial disponha diferentemente” (STJ: REsp 71.521/MG, rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, 6ª Turma, j. 19.12.1996). Interpretação da lei penal – princípio da reserva legal – limites ao magistrado:“NãocabeaoJulgadoraplicarumanorma,porassemelhação, em substituição a outra validamente existente, simplesmente por entender que o legislador deveria ter regulado a situação de forma diversa da que adotou; não se pode, por analogia, criar sanção que o sistema legal não haja determinado, sob pena de violação do princípio da reserva legal” (STJ: REsp 956.876/RS, rel. Min.
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Napoleão Nunes Maia Filho, 5ª Turma, j. 23.08.2007). No mesmo sentido: STJ – REsp 956.876/RS, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, 5ª Turma, j. 23.08.2007. Lei penal em branco em sentido estrito ou heterogênea – validade: “De outro lado, não há como se aceitar a alegação de que a lei penal em questão exigiria complemento de lei formal, uma vez que o próprio art. 4º, § 2º, da Lei 8.176/1991, estabelece que caberá ao Poder Executivo estabelecer ‘as normas que regulamentarão o Sistema Nacional de Estoques de Combustíveis e o Plano Anual de Estoques Estratégicos de Combustíveis’. Desta forma, resta clara a desnecessidade de tais normas serem estabelecidas mediante lei em sentido formal” (STF: RHC 21.624, rel. Min. Felix Fischer, 5ª Turma, j. 07.02.2008). Princípio da adequação social: “A existência de lei regulamentando a atividade dos camelôs não conduz ao reconhecimento de que o descaminho é socialmente aceitável” (STJ: HC 45.153/SC, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, j. 30.10.2007). Princípio da alteridade: “É da índole do Direito Penal moderno o princípio da exclusiva tutela de bens jurídicos, os quais se notabilizam pela alteridade. Incasu, recebeu-se a denúncia apontando que o paciente teria funcionado, ao mesmo tempo, como emissor de determinação de controle ambiental e como responsável pelo seu descumprimento, a acoimar a exordial acusatória de carência de justa causa, em razão do não comparecimento da elementar descumprimento de determinação de autoridade competente” (STJ: HC 81.175/SC, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, j. 09.11.2010). Princípio da fragmentariedade: “Não se pode olvidar o caráter fragmentário de que se reveste o direito penal, que só deve ser acionado quando os outros ramos do direito não sejam suficientes para a proteção dos bens jurídicos envolvidos” (STF: HC 86.553/SC, rel. Min. Joaquim Barbosa, 2ª Turma, j. 07.03.2006).
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Princípio da insignificância – análise das condições da vítima: “O pequeno valor da res furtiva não se traduz, automaticamente, na aplicação do princípio da insignificância. Além do valor monetário, deve-se conjugar as circunstâncias e o resultado do crime, tudo de modo a determinar se houve relevante lesão jurídica. Precedentes do STF. Tendo o fato criminoso ocorrido contra vítima analfabeta e de 68anosdeidade,queteveseudinheirosacadodobolsodesuacalça, em via pública, em plena luz do dia, é inviável a afirmação do desinteresse estatal à sua repressão. Precedentes. O princípio da bagatela, ou do desinteresse penal, consectário do corolário da intervenção mínima, deve se aplicado com parcimônia, restringindo-se apenas às condutas sem tipicidade penal, desinteressantes ao ordenamento positivo, o que não é o caso dos autos” (STJ: REsp 835.553/RS, rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, j. 20.03.2007). Princípio da insignificância – análise do caso concreto: “A aplicação do princípio da insignificância requer o exame das circunstâncias do fato e daquelas concernentes à pessoa do agente, sob pena de restar estimulada a prática reiterada de furtos de pequeno valor. A verificação da lesividade mínima da conduta, apta a torná-la atípica, deve levar em consideração a importância do objeto material subtraído, a condição econômica do sujeito passivo, assim como as circunstâncias e o resultado do crime, a fim de se determinar, subjetivamente, se houve ou não relevante lesão ao bem jurídico tutelado. Hipótese em que o bem subtraído possui importância reduzida, devendo ser ressaltada a condição econômica do sujeito passivo, pessoa jurídica, que recuperou o bem furtado, inexistindo, portanto, percussão social ou econômica. Não obstante o valor da res furtiva não ser parâmetro único à aplicação do princípio da insignificância, as circunstâncias e o resultado do crime em questão demonstram a ausência de relevância penal da conduta, razão pela qual deve se considerar a hipótese de delito de bagatela” (STJ: REsp 1.218.765/MG, rel. Min. Gilson Dipp, 5ª Turma, j. 01.03.2011).
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Princípio da insignificância – análise do caso concreto – tipicidade: “A tipicidade penal não pode ser percebida como o trivial exercício de adequação do fato concreto à norma abstrata. Além da correspondência formal, para a configuração da tipicidade, é necessária umaanálisematerialmente valorativadascircunstânciasdocasoconcreto, no sentido de se verificar a ocorrência de alguma lesão grave, contundente e penalmente relevante do bem jurídico tutelado” (STF: HC 97.772/RS, rel. Min. Carmem Lúcia, 1ª Turma, j. 03.11.2009). Princípio dainsignificância –análise dodireito positivo: “A 1ª Turma indeferiu, em julgamento conjunto, habeas corpus nos quais se postulava trancamento de ação penal em virtude de alegada atipicidade material da conduta. Ademais, cassou-se a liminar anteriormente deferida em um deles (HC 110.932/RS). Tratava-se, no HC 109.183/ RS, de condenado por furtar, com rompimento de obstáculo, bens avaliadosemR$45,00,equivalentea30%dosaláriomínimovigente à época. No HC 110.932/RS, de acusado por, supostamente, subtrair, mediante concursodepessoas, bicicleta estimada emR$128,00,correspondente a 50% do valor da cesta básica da capital gaúcha em outubro de 2008. Mencionou-se que o Código Penal, no art. 155, § 2º, ao se referir ao pequeno valor da coisa furtada, disciplinaria critério de fixação da pena – e não de exclusão da tipicidade –, quando se tratasse de furto simples. Consignou-se que o princípio da insignificância nãohaveria detercomoparâmetro tãosóovalordaresfurtiva, devendo ser analisadas as circunstâncias do fato e o reflexo da conduta do agente no âmbito da sociedade, para decidir sobre seu efetivo enquadramento na hipótese de crime de bagatela. Discorreuse que o legislador ordinário, ao qualificar a conduta incriminada, teria apontado o grau de afetação social do crime, de sorte que a relação existente entre o texto e o contexto – círculo hermenêutico – não poderia conduzir o intérprete à inserção de norma não abrangida pelos signos do texto legal. Assinalou-se que, consectariamente, as condutas imputadas aos autores não poderiam ser consideradas como inexpressivas ou de menor afetação social, para fins penais, adotando-se tese de suas atipicidades em razão do valor dos bens
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subtraídos. O Min. Luiz Fux, relator, ponderou que não se poderia entender atípica figura penal que o Código assentasse típica, porquanto se atuaria como legislador positivo. Aduziu que, por menor, ou maior, que fosse o direito da parte, seria sempre importante para aquela pessoa que perdera o bem. Aludiu à solução com hermenêutica legal.OMin.MarcoAuréliocomplementou queaatuação judicante seria vinculada ao direito posto. Enfatizou haver balizamento em termos de reprimenda no próprio tipo penal. Admoestou que o furto privilegiado dependeria da primariedade do agente e, na insignificância, esta poderia ser colocada em segundo plano. O Min. Dias Toffoli subscreveu a conclusão do julgamento, tendo em conta as circunstâncias específicas de cada caso. Ante as particularidades das situações em jogo, a Min. Rosa Weber, acompanhou o relator, porémsem adotar afundamentação deste. Vislumbrava queoDireito Penal não poderia – haja vista os princípios da interferência mínima do Estado e da fragmentariedade – atuar em certas hipóteses” (STF: HC 109.183/RS, rel. Min. Luiz Fux, 12.06.2012 e HC 110.932/RS, rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma, j. 12.06.2012, noticiados no Informativo670). Princípio da insignificância – apropriação indébita previdenciária – inaplicabilidade: “A aplicação do princípio da insignificância de modo a tornar a conduta atípica exige sejam preenchidos, de forma concomitante, os seguintes requisitos: (i) mínima ofensividade da conduta do agente; (ii) nenhuma periculosidade social da ação; (iii) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e (iv) relativa inexpressividade da lesão jurídica. No caso sob exame, não há falar em reduzido grau de reprovabilidade da conduta, uma vez que o delito em comento atinge bem jurídico de caráter supraindividual, qual seja, o patrimônio da previdência social ou a sua subsistência financeira. Precedente. Segundo relatório do Tribunal de Contas da União, o déficit registrado nas contas da previdência no ano de 2009 já supera os quarenta bilhões de reais. Nesse contexto, inviável reconhecer a atipicidade material da conduta do paciente, que contribui para agravar o quadro deficitário da previdência social” (STF: HC
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100.938/SC, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 1ª Turma, j. 22.06.2010). Princípio da insignificância – ato de improbidade administrativa – inaplicabilidade: “Como o seu próprio nomen iuris indica, a Lei 8.429/1992 tem na moralidade administrativa o bem jurídico protegido por excelência, valor abstrato e intangível, nem sempre reduzido ou reduzível à moeda corrente. A conduta ímproba não é apenas aquela que causa dano financeiro ao Erário. Se assim fosse, a Lei da Improbidade Administrativa se resumiria ao art. 10, emparedados e esvaziados de sentido, por essa ótica, os arts. 9º e 11. Logo, sobretudo no campo dos princípios administrativos, não há como aplicar a lei com calculadora na mão, tudo expressando, ou querendo expressar, na forma de reais e centavos. (...) A Quinta Turma do STJ, em relação a crime de responsabilidade, já se pronunciou no sentido de que ‘deve ser afastada a aplicação do princípio da insignificância, não obstante a pequena quantia desviada, diante da própria condição de Prefeito do réu, de quem se exige um comportamento adequado, isto é, dentro do que a sociedade considera correto, do ponto de vista ético e moral.’ (REsp 769.317/AL, Rel. Ministro Gilson Dipp, QuintaTurma,DJ27.03.2006).Ora,seéassimnocampopenal,com maior razão no universo da Lei de Improbidade Administrativa, que tem caráter civil” (STJ: REsp 892.818/RS, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª Turma, j. 11.11.2008). Princípio da insignificância – ato infracional – aplicabilidade: “O princípio da insignificância é aplicável aos atos infracionais, desde que verificados os requisitos necessários para a configuração do delito de bagatela. Precedente” (STF: HC 98.381/RS, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 1ª Turma, j. 20.10.2009). Princípio da insignificância – ato infracional – furto de pequena monta – aplicabilidade: “Ante a incidência do princípio da insignificância, a 2ª Turma, por maioria, concedeu habeas corpus para trancar ação movida contra menor representado pela prática de ato infracional análogo ao crime de furto simples tentado (niqueleira
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contendocercadeR$80,00).Deinício,esclareceu-sequeopaciente, conforme depreender-se-ia dos autos, seria usuário de drogas e possuiria antecedentes pelo cometimento de outros atos infracionais. Em seguida,destacou-seaausênciadeefetividadedasmedidassocioeducativas anteriormente impostas. Rememorou-se entendimento da Turma segundo o qual as medidas previstas no ECA teriam caráter educativo, preventivo e protetor, não podendo o Estado ficar impedido de aplicá-las (HC 98.381/RS, DJe de 20.11.2009). Resolveu-se, no entanto, que incidiria o princípio da bagatela à espécie. Asseverou-se não ser razoável que o direito penal e todo o aparelho do Estado-polícia e do Estado-juiz movimentassem-se no sentido de atribuir relevância típica a furto tentado de pequena monta quando as circunstâncias do delito dessem conta de sua singeleza e miudez” (STF: HC 112.400/RS, rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª Turma, j. 22.05.2012, noticiado noInformativo667). Princípio da insignificância – ausência de habitualidade: “O pequeno valor da res furtiva não se traduz, automaticamente, na aplicação do princípio da insignificância. Há que se conjugar a importância doobjeto material para a vítima, levando-se em consideração a sua condição econômica, o valor sentimental do bem, como também as circunstâncias e o resultado do crime, tudo de modo a determinar, subjetivamente, se houve relevante lesão. Precedente desta Corte. Consoante se constata dos termos da peça acusatória, a paciente foi flagrada fazendo uma única ligação clandestina em telefone público. Assim,ovalordaresfurtivapodeserconsideradoínfimo,apontode justificar a aplicação do Princípio da Insignificância ou da Bagatela, ante a falta de justa causa para a ação penal. Não há notícia de reiteração ou habitualidade no cometimento da mesma conduta criminosa, sendo que a existência de outro processo em andamento não serve como fundamento para a inaplicabilidade do princípio da insignificância, em respeito aos princípios do estado democrático de direito, notadamente ao da presunção da inocência” (STJ: HC 60.949/PE, rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, j. 20.11.2007).
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Princípio da insignificância – Bolsa Família – inaplicabilidade: “Não há se falar em incidência do princípio da insignificância na hipótese em que a paciente, em tese, mediante fraude, obteve dos cofres públicos, a título de recebimento de benefício do programa assistencial Bolsa Família, de valor que ultrapassa aquilo que seria considerado como penalmente irrelevante” (STJ: HC 85.739/PR, rel. Min. Felix Fischer, 5ª Turma, j. 28.11.2007). Princípio dainsignificância –coisadepequenovalor–distinção com valor insignificante – caracterização do furto privilegiado: “Não se deve confundir bem de pequeno valor com o de valor insignificante, o qual, necessariamente, exclui o crime ante a ausência de ofensa ao bem jurídico tutelado, qual seja, o patrimônio. O bem de pequeno valor pode caracterizar o furto privilegiado previsto no § 2º do art. 155 do CP, apenado de forma mais branda, compatível com a lesividade da conduta. Além disso, o STF já decidiu que, mesmo nas hipóteses de restituição do bem furtado à vítima, não se justifica irrestritamente a aplicação do princípio da insignificância, mormente se o valor do bem objeto do crime tem expressividade econômica” (STJ: REsp 1.239.797/RS, Rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, j. 16.10.2012, noticiado no Informativo 506). No mesmo sentido: STJ: REsp 984.723-RS, Rel. Min. Og Fernandes, 2ª Turma, j. 11.11.2008; e STJ: HC 135.451/RS, rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, j. 15.09.2009;STJ:HC154.949/MG,rel.Min.FelixFischer,5ªTurma, j. 03.08.2010; e REsp 746.854/RS, rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, j. 28.02.2008. Princípio da insignificância – contrabando – inaplicabilidade: “A 2ª Turma denegou habeas corpus em que se requeria a aplicação do princípio da insignificância em favor de pacientes surpreendidos ao portaremcigarrosdeorigemestrangeiradesacompanhadosderegular documentação. De início, destacou-se a jurisprudência do STF no sentido da incidência do aludido postulado em casos de prática do crime de descaminho, quando o valor sonegado não ultrapassar o montante de R$ 10.000,00 (Lei 10.522/2002, art. 20). Em seguida,
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asseverou-se que a conduta configuraria contrabando, uma vez que o objeto material do delito em comento tratar-se-ia de mercadoria proibida. No entanto, reputou-se que não se cuidaria de, tão somente, sopesar o caráter pecuniário do imposto sonegado, mas, principalmente, de tutelar, entre outros bens jurídicos, a saúde pública. Por fim, consignou-se não se aplicar, à hipótese, o princípio da insignificância, pois neste tipo penal o desvalor da ação seria maior. O Min. Celso de Mello destacou a aversão da Constituição quanto ao tabaco, conforme disposto no seu art. 220, § 4º, a permitir que a lei impusesse restrições à divulgação publicitária” (STF: HC 110.964/SC, rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª Turma, j. 07.02.2012, noticiado no Informativo654). Princípio da insignificância – contrabando – materiais ligados a jogos de azar – inaplicabilidade: “Não se aplica o princípio da insignificânciaaoscrimesdecontrabandodemáquinascaça-níqueisoude outros materiais relacionados com a exploração de jogos de azar. Inserir no território nacional itens cuja finalidade presta-se, única e exclusivamente, a atividades ilícitas afeta diretamente a ordem pública e demonstra a reprovabilidade da conduta. Assim, não é possível considerar tão somente o valor dos tributos suprimidos, pois essa conduta tem, ao menos em tese, relevância na esfera penal. Permitir tal hipótese consistiria num verdadeiro incentivo ao descumprimento da norma legal, sobretudo em relação àqueles que fazem de atividades ilícitas um meio de vida” (STJ: REsp 1.212.946/RS, rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, j. 04.12.2012, noticiado no Informativo511). Princípio da insignificância – crime ambiental – aplicabilidade: “A 2ª Turma, por maioria, concedeu habeascorpus para aplicar o princípio da insignificância em favor de condenado pelo delito descrito no art. 34, caput, parágrafo único, II, da Lei 9.605/1998 (‘Art. 34: Pescar em período no qual a pesca seja proibida ou em lugares interditados por órgão competente: ... Parágrafo único. Incorre nas mesmas penas quem: ... II – pesca quantidades superiores às permitidas, ou mediante a utilização de aparelhos, petrechos, técnicas e métodos não
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permitidos’). No caso, o paciente fora flagrado ao portar 12 camarões e rede de pesca fora das especificações da Portaria 84/2002 do IBAMA. Prevaleceu o voto do Min. Cezar Peluso, que reputou irrelevante a conduta em face do número de espécimes encontrados na posse do paciente. O Min. Gilmar Mendes acresceu ser evidente a desproporcionalidade da situação, porquanto se estaria diante de típico crime famélico. Asseverou que outros meios deveriam reprimir este tipo eventual de falta, pois não seria razoável a imposição de sanção penal à hipótese. Vencido o Min. Ricardo Lewandowski, que denegava a ordem, tendo em conta a objetividade da lei de defesa do meio ambiente. Esclarecia que, apesar do valor do bem ser insignificante, o dispositivo visaria preservar a época de reprodução da espécie que poderia estar em extinção. Ressaltava que o paciente teria reiterado essa prática, embora não houvesse antecedente específico nesse sentido” (STF: HC 112.563/SC, rel. orig. Min. Ricardo Lewandowski, red. p/ o acórdão Min. Cezar Peluso, 2ª Turma, j. 21.08.2012, noticiado no Informativo 676). No mesmo sentido: “É de se reconhecer a atipicidade material da conduta de uso de apetrecho de pesca proibido se resta evidente a completa ausência de ofensividade, ao menos em tese, ao bem jurídico tutelado pela norma penal, qual seja, a fauna aquática” (STJ: HC 93.859/SP, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, j. 13.08.2009). Princípio da insignificância – crime ambiental – inaplicabilidade: “Hipótese em que o paciente foi denunciado como incurso nas penas do art. 34, parágrafo único, II, da Lei 9.605/1998, porque teria sido flagrado pela Polícia Militar de Proteção Ambiental, praticando pesca predatória decamarão, com autilização depetrechos proibidos em período defeso para a fauna aquática e sem autorização dos órgãos competentes. A quantidade de pescado apreendido não desnatura o delito descrito no art. 34 da Lei 9.605/1998, que pune a atividadeduranteoperíodoemqueapescasejaproibida,exatamente a hipótese dos autos, isto é, em época de reprodução da espécie, e com utilização de petrechos não permitidos. Paciente que, embora nãopossuacarteira profissional depescador,fazdapescaasuaúnica
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fonte de renda. Para a incidência do princípio da insignificância devem ser considerados aspectos objetivos referentes à infração praticada, assim a mínima ofensividade da conduta do agente, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento, bem como a inexpressividade da lesão jurídica causada (HC 84.412/SP, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 19.11.2004), que não restou demonstrado in casu. A Constituição Federal de 1988, consolidando uma tendência mundial de atribuir maior atenção aos interesses difusos, conferiu especial relevo à questão ambiental, ao elevar o meio ambiente à categoria de bem jurídico tutelado autonomamente, destinando um capítulo inteiro à sua proteção. Interesse estatal na repreensão da conduta, em se tratandodedelitocontraomeioambiente, dadaasuarelevância penal” (STJ: HC 192.696/SC, rel Min. Gilson Dipp, 5ª Turma, j. 17.03.2011). Princípio da insignificância – crime cometido por Prefeito – possibilidade:“Ex-prefeitocondenadopelapráticadocrimeprevisto no art. 1º, II, do Decreto-Lei 201/1967, por ter utilizado máquinas e caminhões de propriedade da Prefeitura para efetuar terraplanagem no terreno de sua residência. Aplicação do princípio da insignificância. Possibilidade” (STF: HC 104.286/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª Turma, j. 03.5.2011). Princípio da insignificância – crime militar – aplicabilidade: “Paciente, militar, preso em flagrante dentro da unidade militar, quando fumava um cigarro de maconha e tinha consigo outros três. Condenação por posse e uso de entorpecentes. Não aplicação do princípio da insignificância, em prol da saúde, disciplina e hierarquia militares. A mínima ofensividade da conduta, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica constituem os requisitosdeordemobjetivaautorizadores daaplicação doprincípioda insignificância. A Lei n. 11.343/2006 – nova Lei de Drogas – veda a prisão do usuário. Prevê, contra ele, apenas a lavratura de termo
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circunstanciado. Preocupação, do Estado, em mudar a visão que se tem em relação aos usuários de drogas. Punição severa e exemplar deve ser reservada aos traficantes, não alcançando os usuários. A estes devem ser oferecidas políticas sociais eficientes para recuperálos do vício. O Superior Tribunal Militar não cogitou da aplicação da Lei n. 11.343/2006. Não obstante, cabe a esta Corte fazê-lo, incumbindo-lhe confrontar o princípio da especialidade da lei penal militar, óbice à aplicação da nova Lei de Drogas, com o princípio da dignidade humana, arrolado na Constituição do Brasil de modo destacado, incisivo, vigoroso, como princípio fundamental (art. 1º, III). Paciente jovem, sem antecedentes criminais, com futuro comprometido por condenação penal militar quando há lei que, em vez de apenar – Lei n. 11.343/2006 –, possibilita a recuperação do civil que praticou a mesma conduta. Exclusão das fileiras do Exército: punição suficiente para que restem preservadas a disciplina e hierarquia militares, indispensáveis ao regular funcionamento de qualquer instituição militar. A aplicação do princípio da insignificância no caso se impõe, a uma, porque presentes seus requisitos, de natureza objetiva; a duas, em virtude da dignidade da pessoa humana” (STF: HC 92.961/SP, rel. Min. Eros Grau, 2ª Turma, j. 11.12.2007).
Manual de Direito Penal - Vol. II - 31ª Ed. 2014 - Julio Fabbrini Mirabete, Renato N. Fabbrini (8522487758)











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http://www.oas.org/juridico/mla/pt/bra/pt_bra-int-text-cp.pdf
https://docs.google.com/file/d/0B-GVTc7G75ZoelpoYTNDbmJfYjQ/view
https://drive.google.com/file/d/0B5KFftQ01xg0V2c2VDdqbUp1UkU/view

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