Narrativa Jurídica
Introdução
O capítulo 1 procura fazer uma abordagem teórica da narrativa jurídica, com o objetivo de ressaltar a importância da seleção dos fatos tanto para uma boa produção da narrativa jurídica quanto para para uma melhor argumentação, além de trabalhar com os aspectos linguísticos fundamentais para a produção de uma narrativa jurídica com qualidade e consistência.Mostrar que até um texto produzido com o objetivo informativo, como exemplo, a narrativa jurídica, revela intencionalidades discursivas por parte do advogado quando escolhe certa maneira de relatar fatos, certos usos de estruturas sintáticas, ou seleção de palavras que revelam o seu posicionamento e que dá uma feição ao que é dito diferentemente do que se outra pessoa o fizesse. Tal fato não pode, em momento algum, ser desconsiderado e, por isso, Ducrot (1987), em vários de seus textos, aborda a ideia de que argumentar seria a essência de todos os tipos de discursos produzidos.
Enfatiza-se, neste capítulo, no entanto, que as partes (acusação e defesa) têm inteira liberdade de interpretar fatos e provas e de tirar as conclusões que entenderem; o que não podem é falsear a “verdade”, narrando o que não aconteceu ou o que não foi dito ou relatado pelas partes, respeitando-se sempre a lealdade processual.
Neste capítulo são citados também alguns casos concretos, cujo objetivo é demonstrar que a ideia aqui defendida é de enorme importância não só teórica, mas também para a prática jurídica futuramente.
Ao final, tem-se a parte prática com o objetivo de fixar os conteúdos trabalhados e para melhor aprimoramento da produção escrita da narrativa jurídica.
OBJETIVOS
- Compreender o conceito de narrativa jurídica.
- Identificar os elementos que compõem a narrativa jurídica.
- Reconhecer as etapas/estágios do processo narrativo.
- Selecionar os fatos relevantes e os juridicamente relevantes em busca de clareza textual.
- Ordenar os fatos cronologicamente, segundo a sua ocorrência na linha do tempo.
- Compreender a importância da seleção vocabular e da sua intencionalidade na elaboração da narrativa.
- Diferenciar discurso direto e discurso indireto.
- Estabelecer relações temporais entre os fatos narrados, situando-os na linha do tempo (antes, durante e depois).
- Compreender que o tempo verbal informa, de uma maneira geral, se o verbo expressa algo que já aconteceu, que acontece no momento da fala ou que ainda irá acontecer.
- Reconhecer a importância das formas verbais pretéritas na narrativa jurídica.
Narração
CONCEITO
Othon Garcia (2012) define narrativa como o relato de um episódio
real ou fictício que implica interferência de elementos, como: fato ou
ação [o quê]; personagens [quem]; o modo como a ação/fato é desenvolvido
[como]; o momento em que o fato ocorreu [quando]; o lugar do ocorrido
[onde]; o motivo do acontecimento [por quê]; e o resultado da ação [por
isso].
No entanto, de acordo com Garcia (2012), nem sempre todos esses elementos estão presentes na narrativa, mas, segundo ele, os elementos indispensáveis para que haja narração são quem e o quê. O autor informa, ainda, que a narração gira em torno do fato, isto é, de “qualquer acontecimento de que o homem participe direta ou indiretamente” (GARCIA, 2012, p. 254).
Garcia (2012, p.254) explica ainda que há três ou quatro estágios progressivos no enredo. O primeiro é a exposição, na qual o narrador explica certas circunstâncias da história, situando o fato em época e ambiência, e onde se faz a apresentação/introdução de algumas personagens. O segundo estágio é a complicação – fase em que o conflito é iniciado. Logo após aponta o clímax (ápice da história) como fator progressivo da narração. Finalmente, o quarto estágio é o desfecho/desenlace, no qual se dá a solução do conflito.
Acordava ainda no escuro, como se ouvisse o sol chegando atrás das beiradas da noite. E logo sentava-se ao tear.
Linha clara, para começar o dia. Delicado traço cor da luz, que ela ia passando entre os fios estendidos, enquanto lá fora a claridade da manhã desenhava o horizonte.
Depois lãs mais vivas, quentes lãs iam tecendo hora a hora, um longo tapete que nunca acabava.
Se era forte demais o sol, e no jardim pendiam as pétalas, a moça colocava na lançadeira grossos fios cinzentos do algodão mais felpudo. Em breve, na penumbra trazida pelas nuvens, escolhia um fio de prata, que em pontos longos rebordava sobre o tecido.
Leve, a chuva vinha cumprimentá-la à janela.
Mas se durante muitos dias o vento e o frio brigavam com as folhas e espantavam os pássaros, bastava a moça tecer com seus belos fios dourados, para que o sol voltasse a acalmar a natureza.
Assim, jogando a lançadeira de um lado para outro e batendo os grandes pentes do tear para frente e para trás, a moça passava os seus dias.
Nada lhe faltava. Na hora da fome tecia um lindo peixe, com cuidado de escamas. E eis que o peixe estava na mesa, pronto para ser comido. Se sede vinha, suave era a lã cor deleite que entremeava o tapete. E à noite, depois de lançar seu fio de escuridão, dormia tranquila.
Tecer era tudo o que fazia. Tecer era tudo o que queria fazer.
Mas tecendo e tecendo, ela própria trouxe o tempo em que se sentiu sozinha, e pela primeira vez pensou em como seria bom ter um marido ao lado.
Não esperou o dia seguinte. Com capricho de quem tenta uma coisa nunca conhecida, começou a entremear no tapete as lãs e as cores que lhe dariam companhia.
E aos pouco seu desejo foi aparecendo, chapéu emplumado, rosto barbado, corpo aprumado, sapato engraxado. Estava justamente acabando de entremear o último fio da ponta dos sapatos, quando bateram à porta.
Nem precisou abrir. O moço meteu a mão na maçaneta, tirou o chapéu de pluma, e foi entrando em sua vida.
Aquela noite, deitada no ombro dele, a moça pensou nos lindos filhos que teceria para aumentar ainda mais a sua felicidade.
E feliz foi, durante algum tempo. Mas se o homem tinha pensado em filhos, logo os esqueceu. Porque tinha descoberto o poder do tear, em nada mais pensou a não ser nas coisas todas que ele poderia lhe dar.
— Uma casa melhor é necessária — disse para a mulher. E parecia justo, agora que eram dois. Exigiu que escolhesse as mais belas lãs cor de tijolo, fios verdes para os batentes, e pressa para a casa acontecer.
Mas pronta a casa, já não lhe pareceu suficiente.
— Para que ter casa, se podemos ter palácio? — perguntou. Sem querer resposta, imediatamente ordenou que fosse de pedra com arremates em prata.
Dias e dias, semanas e meses trabalhou a moça tecendo tetos e portas, e pátios e escadas, e salas e poços. A neve caía lá fora, e ela não tinha tempo para chamar o sol. A noite chegava, e ela não tinha tempo para arrematar o dia. Tecia e entristecia, enquanto sem parar batiam os pentes acompanhando o ritmo da lançadeira.
Afinal o palácio ficou pronto. E entre tantos cômodos, o marido escolheu para ela e seu tear o mais alto quarto da mais alta torre.
— É para que ninguém saiba do tapete — ele disse. E antes de trancar a porta à chave, advertiu: — Faltam as estrebarias. E não se esqueça dos cavalos! Sem descanso tecia a mulher os caprichos do marido, enchendo o palácio de luxos, os cofres de moedas, as salas de criados. Tecer era tudo o que fazia. Tecer era tudo o que queria fazer.
E tecendo, ela própria trouxe o tempo em que sua tristeza lhe pareceu maior que o palácio com todos os seus tesouros. E pela primeira vez pensou em como seria bom estar sozinha de novo.
Só esperou anoitecer. Levantou-se enquanto o marido dormia sonhando com novas exigências. E descalça, para não fazer barulho, subiu a longa escada da torre, sentou-se ao tear.
Desta vez não precisou escolher linha nenhuma. Segurou a lançadeira ao contrário, e jogando-a veloz de um lado para o outro, começou a desfazer seu tecido. Desteceu os cavalos, as carruagens, as estrebarias, os jardins. Depois desteceu os criados e o palácio e todas as maravilhas que continha. E novamente se viu na sua casa pequena e sorriu para o jardim além da janela.
A noite acabava quando o marido, estranhando a cama dura, acordou, e, espantado, olhou em volta. Não teve tempo de se levantar. Ela já desfazia o desenho escuro dos sapatos, e ele viu seus pés desaparecendo, sumindo as pernas. Rápido, o nada subiu-lhe pelo corpo, tomou o peito aprumado, o emplumado chapéu.
Então, como se ouvisse a chegada do sol, a moça escolheu uma linha clara. E foi passando-a devagar entre os fios, delicado traço de luz, que a manhã repetiu na linha do horizonte.
COLASANTI, Marina. Doze reis e a moça no labirinto do vento. Ilustração, Ana Peluso. Global: Rio de Janeiro, 2000.
Linha clara, para começar o dia. Delicado traço cor da luz, que ela ia passando entre os fios estendidos, enquanto lá fora a claridade da manhã desenhava o horizonte.
Depois lãs mais vivas, quentes lãs iam tecendo hora a hora, um longo tapete que nunca acabava.
Se era forte demais o sol, e no jardim pendiam as pétalas, a moça colocava na lançadeira grossos fios cinzentos do algodão mais felpudo. Em breve, na penumbra trazida pelas nuvens, escolhia um fio de prata, que em pontos longos rebordava sobre o tecido.
Leve, a chuva vinha cumprimentá-la à janela.
Mas se durante muitos dias o vento e o frio brigavam com as folhas e espantavam os pássaros, bastava a moça tecer com seus belos fios dourados, para que o sol voltasse a acalmar a natureza.
Assim, jogando a lançadeira de um lado para outro e batendo os grandes pentes do tear para frente e para trás, a moça passava os seus dias.
Nada lhe faltava. Na hora da fome tecia um lindo peixe, com cuidado de escamas. E eis que o peixe estava na mesa, pronto para ser comido. Se sede vinha, suave era a lã cor deleite que entremeava o tapete. E à noite, depois de lançar seu fio de escuridão, dormia tranquila.
Tecer era tudo o que fazia. Tecer era tudo o que queria fazer.
Mas tecendo e tecendo, ela própria trouxe o tempo em que se sentiu sozinha, e pela primeira vez pensou em como seria bom ter um marido ao lado.
Não esperou o dia seguinte. Com capricho de quem tenta uma coisa nunca conhecida, começou a entremear no tapete as lãs e as cores que lhe dariam companhia.
E aos pouco seu desejo foi aparecendo, chapéu emplumado, rosto barbado, corpo aprumado, sapato engraxado. Estava justamente acabando de entremear o último fio da ponta dos sapatos, quando bateram à porta.
Nem precisou abrir. O moço meteu a mão na maçaneta, tirou o chapéu de pluma, e foi entrando em sua vida.
Aquela noite, deitada no ombro dele, a moça pensou nos lindos filhos que teceria para aumentar ainda mais a sua felicidade.
E feliz foi, durante algum tempo. Mas se o homem tinha pensado em filhos, logo os esqueceu. Porque tinha descoberto o poder do tear, em nada mais pensou a não ser nas coisas todas que ele poderia lhe dar.
— Uma casa melhor é necessária — disse para a mulher. E parecia justo, agora que eram dois. Exigiu que escolhesse as mais belas lãs cor de tijolo, fios verdes para os batentes, e pressa para a casa acontecer.
Mas pronta a casa, já não lhe pareceu suficiente.
— Para que ter casa, se podemos ter palácio? — perguntou. Sem querer resposta, imediatamente ordenou que fosse de pedra com arremates em prata.
Dias e dias, semanas e meses trabalhou a moça tecendo tetos e portas, e pátios e escadas, e salas e poços. A neve caía lá fora, e ela não tinha tempo para chamar o sol. A noite chegava, e ela não tinha tempo para arrematar o dia. Tecia e entristecia, enquanto sem parar batiam os pentes acompanhando o ritmo da lançadeira.
Afinal o palácio ficou pronto. E entre tantos cômodos, o marido escolheu para ela e seu tear o mais alto quarto da mais alta torre.
— É para que ninguém saiba do tapete — ele disse. E antes de trancar a porta à chave, advertiu: — Faltam as estrebarias. E não se esqueça dos cavalos! Sem descanso tecia a mulher os caprichos do marido, enchendo o palácio de luxos, os cofres de moedas, as salas de criados. Tecer era tudo o que fazia. Tecer era tudo o que queria fazer.
E tecendo, ela própria trouxe o tempo em que sua tristeza lhe pareceu maior que o palácio com todos os seus tesouros. E pela primeira vez pensou em como seria bom estar sozinha de novo.
Só esperou anoitecer. Levantou-se enquanto o marido dormia sonhando com novas exigências. E descalça, para não fazer barulho, subiu a longa escada da torre, sentou-se ao tear.
Desta vez não precisou escolher linha nenhuma. Segurou a lançadeira ao contrário, e jogando-a veloz de um lado para o outro, começou a desfazer seu tecido. Desteceu os cavalos, as carruagens, as estrebarias, os jardins. Depois desteceu os criados e o palácio e todas as maravilhas que continha. E novamente se viu na sua casa pequena e sorriu para o jardim além da janela.
A noite acabava quando o marido, estranhando a cama dura, acordou, e, espantado, olhou em volta. Não teve tempo de se levantar. Ela já desfazia o desenho escuro dos sapatos, e ele viu seus pés desaparecendo, sumindo as pernas. Rápido, o nada subiu-lhe pelo corpo, tomou o peito aprumado, o emplumado chapéu.
Então, como se ouvisse a chegada do sol, a moça escolheu uma linha clara. E foi passando-a devagar entre os fios, delicado traço de luz, que a manhã repetiu na linha do horizonte.
COLASANTI, Marina. Doze reis e a moça no labirinto do vento. Ilustração, Ana Peluso. Global: Rio de Janeiro, 2000.
“Acordava ainda no escuro, como se ouvisse o sol chegando atrás das beiradas da noite.” até “Tecer era tudo o que queria fazer.”
Tragédia Brasileira
Misael, funcionário da Fazenda, com 63 anos de idade, conheceu Maria Elvira na Lapa, - prostituída, com sífilis, dermite nos dedos, uma aliança empenhada e os dentes em petição de miséria.
Misael tirou Maria Elvira da vida, instalou-a num sobrado no Estácio, pagou médico, dentista, manicura... dava tudo quanto ela queria.
Quando Maria Elvira se apanhou de boca bonita, arranjou logo um namorado.
Misael não queria escândalo. Podia dar uma surra, um tiro, uma facada. Não fez nada disso: mudou de casa.
Viveram três anos assim.
Toda vez que Maria Elvira arranjava namorado, Misael mudava de casa.
Os amantes moraram no Estácio, Rocha, Catete, Rua General Pedra, Olaria, Ramos, Bonsucesso, Vila Isabel, Rua Marquês de Sapucaí, Niterói, Encantado, Rua Clapp, outra vez no Estácio, Todos os Santos, Catumbi, Lavradio, Boca do Mato, Inválidos...
Por fim na Rua da Constituição, onde Misael, privado de sentidos e de inteligência, matou-a com seis tiros, e a polícia foi encontrá-la caída em decúbito dorsal, vestida de organdi azul.
Misael, funcionário da Fazenda, com 63 anos de idade, conheceu Maria Elvira na Lapa, - prostituída, com sífilis, dermite nos dedos, uma aliança empenhada e os dentes em petição de miséria.
Misael tirou Maria Elvira da vida, instalou-a num sobrado no Estácio, pagou médico, dentista, manicura... dava tudo quanto ela queria.
Quando Maria Elvira se apanhou de boca bonita, arranjou logo um namorado.
Misael não queria escândalo. Podia dar uma surra, um tiro, uma facada. Não fez nada disso: mudou de casa.
Viveram três anos assim.
Toda vez que Maria Elvira arranjava namorado, Misael mudava de casa.
Os amantes moraram no Estácio, Rocha, Catete, Rua General Pedra, Olaria, Ramos, Bonsucesso, Vila Isabel, Rua Marquês de Sapucaí, Niterói, Encantado, Rua Clapp, outra vez no Estácio, Todos os Santos, Catumbi, Lavradio, Boca do Mato, Inválidos...
Por fim na Rua da Constituição, onde Misael, privado de sentidos e de inteligência, matou-a com seis tiros, e a polícia foi encontrá-la caída em decúbito dorsal, vestida de organdi azul.
- O quê?
Romance conturbado, que resulta em crime passional. - Quem?
Misael e Maria Elvira. - Como?
O envolvimento de um homem de 63 anos com uma prostituta. - Onde?
Lapa, Estácio, Rocha, Catete e vários outros lugares. - Quando?
Duração do relacionamento: três anos. - Por quê?
Promiscuidade de Maria Elvira.
RESUMO
Em síntese, o poema narrativo relata um assassinato e suas causas e
as personagens dessa Tragédia Brasileira têm nome e características
sociais bem definidas, a saber: personagem de classe média, Misael, e de
classe baixa, Maria Elvira, apresentando todos os elementos da
narrativa jurídica.
Por fim, a definição de narrativa é sintetizada por Garcia da seguinte forma: “toda narrativa consiste em uma sequência de fatos, ações ou situações que, envolvendo participação de personagens, se desenrolam em determinado lugar e momento, durante certo tempo” (GARCIA, 2012, p. 258). E é a partir desse conceito clássico que será desenhada uma teoria para a Narrativa Jurídica, tema central deste capítulo.
Assim, ao se contar uma história, reordena-se o tempo, articulam-se
os eventos em uma sucessão, dando contorno ao vivido de forma a garantir
que o narrador se identifique ao contá-la e que o leitor se reconheça
ao interpretá-la.
Pois bem, na Petição Inicial, por exemplo, a narrativa jurídica não
poderia fugir ao que já foi posto, e é produzida no elemento denominado
DOS FATOS, iniciando-se sempre pelo autor dessa peça processual,
fazendo-se uso do padrão culto da língua portuguesa.
Sendo assim, o advogado do autor deverá narrar e descrever, primeiramente, os fatos que originaram o seu direito (causa de pedir remota/ nascimento do Direito material). Exemplo:
Neste exato momento, por conseguinte, violado o direito, surge para o credor a legítima pretensão de poder exigir, judicialmente, que o devedor cumpra a prestação assumida (pedido).
Leia a narrativa jurídica a seguir (OAB-FGV-2014) para melhor compreensão de suas características estruturais ou metodologia:
Muitos fatos importantes constantes da narrativa têm pouca importância jurídica, mas lá estão para fornecer um contexto aos fatos jurídicos mais relevantes, pois sem aqueles o restante não faria sentido. É preciso, então, distinguir fato importante de fato jurídico:
A narrativa dos fatos tem o conteúdo informativo porque assume a função de esclarecer uma situação sobre a qual ainda se vai tirar o processo argumentativo, mas é certo que esse conteúdo informativo não é imparcial, porque está contaminado pela constante vontade do representante legal da parte (advogado) de persuadir; razão por que traz sempre um ponto de vista implícito no ato de narrar que será a baliza de sustentação dos fundamentos jurídicos do pedido, daí afirmar-se que a narrativa jurídica é sempre marcada pela parcialidade de ambas as partes nestas peças: Petição Inicial, Contestação, Queixa-Crime, dentre outras similares.
No caso concreto, percebe-se que todos os fatos julgados relevantes pelo advogado foram narrados linearmente em uma linha lógica e coerente de raciocínio, em uma progressão temporal, respeitando-se anterioridade e posterioridade dos fatos e presentificam-se todos os elementos da narrativa em seu corpo textual, como:
Percebe-se uma organização específica da narrativa jurídica em questão, pois o seu objetivo não é só levar o caso ao judiciário para julgar a questão jurídica submetida à apreciação, mas também de apresentar a indignação gerada no autor quanto a uma questão ético-profissional da empresa e aos maus serviços prestados ao consumidor. Esse objetivo subjacente aparece nas entrelinhas do texto, mas não deverá escapar à análise do julgador, visto que a organização sintático-semântica da narrativa jurídica é que conduz ao efeito de sentido desejado.
Deve-se ficar bastante atento a essa postura diante desse tipo de texto porque a narrativa dos fatos (“Dos Fatos”) precede à argumentação jurídica (“Do Direito”) e só traz a situação fática: fatos, provas e as circunstâncias em que o fato ocorreu.
Por fim, a definição de narrativa é sintetizada por Garcia da seguinte forma: “toda narrativa consiste em uma sequência de fatos, ações ou situações que, envolvendo participação de personagens, se desenrolam em determinado lugar e momento, durante certo tempo” (GARCIA, 2012, p. 258). E é a partir desse conceito clássico que será desenhada uma teoria para a Narrativa Jurídica, tema central deste capítulo.
Narrativa Jurídica e seus Elementos Constitutivos: O Quê? Quem? Como? Onde? Quando? Por quê?
Toda narrativa refaz os fatos a partir do ponto
de vista do autor. Uma das características da “verdade” jurídica é
construir uma narrativa dos fatos, que podem ser descritos, por exemplo,
por um tipo penal – da infração penal – que nada mais é do que a
descrição do crime. Para construir a verdade de que determinado fato é
crime, o caso passa por uma transformação progressiva, daquilo que no
início era uma "trama de vida" para um "fato jurídico".
O tempo e narrativa encontram-se imbricados, pois tudo aquilo que
pode ser contado em forma de histórias sucede-se no tempo, arraiga-se no
próprio tempo, desenvolve-se temporalmente; e o que se desenvolve
temporalmente pode ser narrado.
Não é sem propósito que a narrativa rearticula, no presente, as
imagens do passado de modo que possam impulsionar e guiar nossa ação na
construção do futuro.
Nesse contexto, a narrativa só poderá ser entendida como a arte de
tecer intrigas (enredo), o que significa dizer que contar uma história é
“agenciar fatos”, compondo junto o que está separado. “Agenciar fatos” é
organizar sucessivamente os eventos da experiência temporal humana de
forma a dar sequência à história e, por isso, fazer surgir o tempo.ATENÇÃO
A narrativa jurídica tem como ponto de partida a narração dos fatos
que geraram a situação fática, começando sempre pela causa de pedir mais
remota (origem do negócio jurídico/relação com Direito material) e
terminando com a causa de pedir próxima (descumprimento da obrigação
pelo réu), indicando o porquê de seu pedido.
Sendo assim, o advogado do autor deverá narrar e descrever, primeiramente, os fatos que originaram o seu direito (causa de pedir remota/ nascimento do Direito material). Exemplo:
“O autor celebrou contrato de locação com o
réu, em 29 de setembro de 2014, por prazo indeterminado, do imóvel
localizado na Rua Francisco Rocha, nº 49, em Angra dos Reis, Estado do
Rio de Janeiro, pagando aluguel de R$2000,00 (dois mil reais) com
vencimento todo dia 20 de cada mês (doc.1).”
Em seguida, o advogado deverá narrar que houve violação ou ameaça de
violação ao direito do autor (causa de pedir próxima), descrevendo os
fatos e encerrando a sua narrativa jurídica. Exemplo:
“O réu deixou de pagar os aluguéis dos meses de
abril, maio e junho de 2015, perfazendo o total de R$ 6.000,00 (seis
mil reais), conforme demonstrativo em anexo (doc.2).”
Nos parágrafos apresentados, podem ser destacados os seguintes
elementos da narrativa, tão essenciais ao contexto jurídico ou ao mundo
real:- O quê?
Contrato de locação - Quem?
Partes processuais: Autor Réu - Como?
Modo como os fatos aconteceram: narrativa propriamente dita - Onde?
Angra dos Reis, Estado do Rio de Janeiro - Quando?
29 de setembro de 2014 - Por quê?
Inadimplência do réu
O credor é titular de um direito de crédito em
face do devedor. O contrato foi feito e pactuado entre as partes: o
credor teria direito ao pagamento de R$ 1.000,00 (mil) reais, em 7 de
outubro de 2015 (dia do vencimento). O contrato foi firmado, em 7 de
outubro de 2014, e o credor já dispõe do crédito no dia do vencimento,
mas o devedor nega-se a cumprir a sua obrigação.
Contata-se que o direito de crédito nasceu com a realização do
contrato, em 7 de outubro de 2014 (causa remota). No dia do vencimento,
em outubro de 2015, o devedor negou-se a cumprir a sua obrigação.
Tornou-se, portanto, inadimplente, violando o direito patrimonial do
credor de obter a satisfação do seu crédito (causa de pedir próxima).Neste exato momento, por conseguinte, violado o direito, surge para o credor a legítima pretensão de poder exigir, judicialmente, que o devedor cumpra a prestação assumida (pedido).
ATENÇÃO
O advogado não pode se esquecer de que da narrativa lógica dos fatos
que advém a conclusão, ou seja, dos fatos narrados decorre logicamente o
pedido.
Leia a narrativa jurídica a seguir (OAB-FGV-2014) para melhor compreensão de suas características estruturais ou metodologia:
O autor comprou um aparelho de ar condicionado
fabricado pela ré “G” S. A., empresa sediada no Rio de Janeiro, em
função da chegada do verão, em15 de janeiro de 2015.
Contudo o referido produto, apesar de devidamente entregue, desde o momento de sua instalação, passou a apresentar problemas, desarmando e não refrigerando o ambiente.
Em virtude dos problemas apresentados, o autor entrou em contato com o fornecedor, em 25 de janeiro de 2013, que prestou devidamente o serviço de assistência técnica.
Nessa oportunidade, foi trocado o termostato do aparelho; todavia, apesar disso, o problema persistiu, razão pela qual o autor, por diversas outras vezes, entrou em contato com a ré “G” S. A. a fim de tentar resolver a questão amigavelmente.
Porém, tendo transcorrido o prazo de 30 (trinta) dias sem a resolução do defeito pelo fornecedor, o autor requereu a substituição do produto; mas, para a surpresa do autor, a empresa negou a substituição do aparelho, afirmando que enviaria um novo técnico à sua residência para analisar novamente o produto.
A assistência técnica informou ao autor, ainda, que a troca do produto só poderia ser realizada após 15 (quinze) dias, devido à grande quantidade de demandas naquela empresa no período do verão.
Note-se que, no corpo da narrativa jurídica, basta identificar as
partes como autor e réu, não havendo, pois, necessidade de escrever os
seus nomes e prenomes, pois já constam do início da Petição Inicial no
elemento chamado Qualificação das Partes.Contudo o referido produto, apesar de devidamente entregue, desde o momento de sua instalação, passou a apresentar problemas, desarmando e não refrigerando o ambiente.
Em virtude dos problemas apresentados, o autor entrou em contato com o fornecedor, em 25 de janeiro de 2013, que prestou devidamente o serviço de assistência técnica.
Nessa oportunidade, foi trocado o termostato do aparelho; todavia, apesar disso, o problema persistiu, razão pela qual o autor, por diversas outras vezes, entrou em contato com a ré “G” S. A. a fim de tentar resolver a questão amigavelmente.
Porém, tendo transcorrido o prazo de 30 (trinta) dias sem a resolução do defeito pelo fornecedor, o autor requereu a substituição do produto; mas, para a surpresa do autor, a empresa negou a substituição do aparelho, afirmando que enviaria um novo técnico à sua residência para analisar novamente o produto.
A assistência técnica informou ao autor, ainda, que a troca do produto só poderia ser realizada após 15 (quinze) dias, devido à grande quantidade de demandas naquela empresa no período do verão.
ATENÇÃO
A narrativa jurídica deve ser clara em relação ao pedido e a causa
de pedir, pois, somente, assim, o réu terá condições de compreender qual
é a exata pretensão do autor e exercer o contraditório. Além disso,
sabe-se que o autor deve narrar e descrever todos os fatos relevantes
exaustivamente para que o juiz possa dar-lhe o Direito.
Muitos fatos importantes constantes da narrativa têm pouca importância jurídica, mas lá estão para fornecer um contexto aos fatos jurídicos mais relevantes, pois sem aqueles o restante não faria sentido. É preciso, então, distinguir fato importante de fato jurídico:
Fato jurídico | Fato jurídico são os fatos fundamentais dos quais decorre o direito de que pensa ter o autor. |
Fatos importantes | Fatos importantes são os fatos secundários que compõem o fato jurídico ou que auxiliam na comprovação da sua existência, propiciando maior clareza à situação fática. |
ATENÇÃO
Na narrativa jurídica é de grande importância a seleção dos fatos e a
ordenação do tempo, antes de eles serem narrados; lembrando-se sempre
de que a narração dos fatos deve ser concisa e eficaz, seguir sempre a
ordem linear ou cronológica (= calendário, relógio), deter-se apenas no
essencial, em um raciocínio lógico, coeso e coerente.
A narrativa dos fatos tem o conteúdo informativo porque assume a função de esclarecer uma situação sobre a qual ainda se vai tirar o processo argumentativo, mas é certo que esse conteúdo informativo não é imparcial, porque está contaminado pela constante vontade do representante legal da parte (advogado) de persuadir; razão por que traz sempre um ponto de vista implícito no ato de narrar que será a baliza de sustentação dos fundamentos jurídicos do pedido, daí afirmar-se que a narrativa jurídica é sempre marcada pela parcialidade de ambas as partes nestas peças: Petição Inicial, Contestação, Queixa-Crime, dentre outras similares.
CONCEITO
A narrativa jurídica tem estrutura que oscila entre a narração e a
descrição, por narrar e descrever os fatos, conforme apresentados pela
parte, ou seja, aquilo que é significativo para o mundo jurídico e que
merece análise e julgamento do judiciário.
A narrativa jurídica apresenta fatos em sequência e decorrentes de uma relação de causa consequência, isto é, um fato causa uma consequência que dá origem a outro fato, e assim por diante. Isso significa dizer que entre uma ação e outra, entre um fato e outro, há um lapso temporal, e é a indicação de transcurso do tempo a tarefa principal do autor da narrativa, depois de selecionar os fatos narrados.
A narrativa jurídica apresenta fatos em sequência e decorrentes de uma relação de causa consequência, isto é, um fato causa uma consequência que dá origem a outro fato, e assim por diante. Isso significa dizer que entre uma ação e outra, entre um fato e outro, há um lapso temporal, e é a indicação de transcurso do tempo a tarefa principal do autor da narrativa, depois de selecionar os fatos narrados.
No caso concreto, percebe-se que todos os fatos julgados relevantes pelo advogado foram narrados linearmente em uma linha lógica e coerente de raciocínio, em uma progressão temporal, respeitando-se anterioridade e posterioridade dos fatos e presentificam-se todos os elementos da narrativa em seu corpo textual, como:
- O quê?
Contrato de compra e venda - Quem?
Partes processuais: Autor e Ré “G” S. A., - Onde?
Rio de Janeiro - Quando?
15 de janeiro de 2015. - Por quê?
Vício de qualidade do produto - Como?
Modo como os fatos aconteceram: narrativa propriamente dita.
Percebe-se uma organização específica da narrativa jurídica em questão, pois o seu objetivo não é só levar o caso ao judiciário para julgar a questão jurídica submetida à apreciação, mas também de apresentar a indignação gerada no autor quanto a uma questão ético-profissional da empresa e aos maus serviços prestados ao consumidor. Esse objetivo subjacente aparece nas entrelinhas do texto, mas não deverá escapar à análise do julgador, visto que a organização sintático-semântica da narrativa jurídica é que conduz ao efeito de sentido desejado.
Os parágrafos da narrativa jurídica são
dinâmicos, pois os acontecimentos são narrados em uma linha lógica de
raciocínio, não havendo, sequer, uma
quebra de raciocínio no curso do discurso narrativo.
Nota-se que as formas verbais usadas nas afirmações do autor têm, na
sua maioria, sujeito agente (“comprou”, “entrou”, “requereu”), o que
torna as frases todas dinâmicas, característica esta essencial da
narração.ATENÇÃO
É fundamental a diferenciação entre o ato de argumentar e o ato de
narrar, porque a argumentação feita no momento em que se busca uma
compreensão do caso concreto é fator que pode vir a confundir e
prejudicar a compreensão da narrativa jurídica.
COMENTÁRIO
É muito comum o aluno de Direito ler o caso concreto e já partir
para a argumentação, em vez de atentar para o ato de narrar. Não é
incomum, o professor solicitar aos alunos uma narrativa jurídica, e, no
momento da correção, deparar- se com um texto misto, em que o aluno
narra e argumenta ao mesmo tempo, sem perceber que está se posicionando
diante do caso dado e formulando argumentos para defesa de seu ponto de
vista ou tese.
Deve-se ficar bastante atento a essa postura diante desse tipo de texto porque a narrativa dos fatos (“Dos Fatos”) precede à argumentação jurídica (“Do Direito”) e só traz a situação fática: fatos, provas e as circunstâncias em que o fato ocorreu.
COMENTÁRIO
As partes processuais no discurso jurídico são sujeitos, seres,
indivíduos de carne e osso (reais) e não personagens, já que estes são
fictícios, são construções de/no papel. Logo, a nomenclatura personagens
não deve ser usada nos textos jurídicos.
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