Evolução do Direito de Família e a Mudança de Paradigma das Entidades Familiares

Evolução do Direito de Família e a Mudança de Paradigma das Entidades Familiares,

1.1. Origem da Família

O ser humano sempre precisou viver em sociedade. O fato de necessariamente ter que unir-se a alguém é inato ao homem, que muitas vezes só encontra sua felicidade ao lado de um par. Independente da posição social que ocupa na sociedade, o indivíduo para se sentir completo tem que estar inserido no seio familiar, que é justamente de onde surgem as suas bases psicológicas e a estrutura de seu caráter.
O termo “família” é derivado do latim “famulus”, que significa “escravo doméstico”. Este termo foi criado na Roma Antiga para designar um novo grupo social que surgiu entre as tribos latinas, ao serem introduzidas à agricultura e também escravidão legalizada.
Segundo o mestre Cristiano Chaves de Farias , “a família na história dos agrupamentos humanos, é o que precede a todos os demais, como fenômeno biológico e como fenômeno social, motivo pelo qual é preciso compreendê-la por diferentes ângulos (perspectivas cientificas), numa espécie de paleontologia social”.
Falar sobre o Direito de Família requer um estudo histórico-evolutivo em relação à família como instituição, sobre a qual foram agregados costumes e valores morais capazes de remodelar sua estrutura. A família como é tradicionalmente vista ainda é decorrente significativamente do que foi determinado à época da antiguidade.
A família como agrupamento cultural, preexiste ao Estado, e está acima do Direito, justamente por isso, merece especial atenção deste. O direito sempre se preocupou em tutelar as relações familiares, de acordo com o seu momento histórico, faz-se então necessário traçar a evolução do Direito de Família.
A base dos modelos familiares tem inicio com uma sociedade conservadora, onde a família tinha como prerrogativa a matrimonialização, pois era voltada exclusivamente ao casamento, não admitindo outra forma de constituição familiar. Seguia os moldes patriarcais, era hierarquizada, com o homem gerindo a unidade de produção, e patrimonializada, pois seus membros correspondiam à força laboral, visando sempre o progresso da entidade familiar.
Porém as transformações sociais e a incorporação de novos valores afetaram a família brasileira, e esse modelo institucionalizado logo ruiu com a Revolução Industrial. Com a necessidade de mais mão-de-obra, a mulher que antes trabalhava para o marido, ingressou no mercado de trabalho, deixando o homem de ser agora o único provedor do lar. A família passou então a ser nuclear, ou seja, dirigida ao casal e a prole. Como não podia deixar de ser, sua estrutura mudou. Agora era centrada nas relações afetivas e não mais patrimoniais, era descentralizada, sem a figura do genitor provedor, e igualitária, sem distinção de seus membros.
De unidade de produção, calcados em vínculos patrimoniais, visando a formação de patrimônio e a sua futura transmissão aos herdeiros, a família passou a ser uma entidade de solidariedade social, onde os integrantes se unem exclusivamente pelo laço afetivo, pouco importando a perpetuação dos descendentes:
A transição da família como unidade econômica, para uma compreensão igualitária, tendente a promover o desenvolvimento da personalidade de seus membros, reafirma uma nova feição agora fundada no afeto, no amor romântico. Seu novo balizamento evidencia um espaço privilegiado para que os seres humanos se complementem e se completem.
De certo que, a família se modifica com a própria transformação da sociedade, ela evolui de acordo com as novas idéias que modificam a forma de agir e de pensar das pessoas. Por se tratar de uma agrupamento cultural, não pode ficar imutável no tempo. Seguindo o mesmo raciocínio, o direito acompanhava cada momento histórico que vigorava na família.

1.2. Origem do Direito de Família e sua Evolução Legislativa

O crescimento e consolidação do cristianismo, com poder moral, social e até temporal sobre muitos povos, ocasionou o desenvolvimento de sua própria legislação, o Direito Canônico, para o qual o matrimônio é indissolúvel, com raríssimas situações de exceção e sendo um sacramento, o divorciado de casamento religioso com efeito civil, não pode contrair novas núpcias na Igreja Católica. Assim, a primeira lei que surgiu para regulamentar o direito de família de acordo com Rodrigo da Cunha Pereira, era conhecida como a lei do pai, “uma exigência da civilização na tentativa de reprimir as pulsões e o gozo por meio da supressão dos institutos”.
Muito embora nosso Código Civil de 1916 não tenha definido o instituto da família, condicionou a sua legitimidade ao casamento civil, sem fazer qualquer alusão ao casamento religioso, conforme podemos observar no artigo 229, in verbis: “Criando a família legítima, o casamento legitima os filhos comuns, antes dele nascidos ou concebidos”. O Primeiro grande efeito jurídico do casamento, no Código Civil de 1916, era o de legitimar a família.
O antigo Código Civil de 1916 correspondia a uma família do inicio do século passado, constituída apenas pelo matrimonio, única forma de entidade familiar aceitável na época. Visto o seu caráter patrimonial, não era permitida a dissolução do casamento porque correria o risco do patrimônio adquirido na instância do casamento passar a mão de terceiros.As famílias que eram constituídas sem os sagrados laços matrimoniais, atualmente conhecidas como uniões estáveis, não eram reguladas pelo Código, que trazia a expressão concubinato para classificar esses tipos de vínculos. Os filhos havidos nessa relação eram considerados ilegítimos, justamente para punir e excluir qualquer possibilidade de direitos.
A evolução por qual passou a sociedade, inclusive a família, impulsionou sucessivas transformações legislativas, para poder se adequar ao momento histórico vigente. Surgiu então de forma bastante expressiva, o Estatuto da Mulher Casada (Lei n. 4.121/62), que foi um movimento das mulheres que ficavam reduzidas ao estado de relativamente incapazes e submetidas, assim, a uma curadoria do marido, contra o então vigente Código Civil de 1916, no qual a mulher casada era considerada incapaz do ponto de vista civil, o que só foi modificado em 1962, com a aprovação do Estatuto que equiparou os direitos dos cônjuges, e devolveu a plena capacidade a mulher casada, e resguardava agora os bens adquiridos com o fruto do seu trabalho, e ainda lhe assegurava o direito a propriedade de forma exclusiva.
Até o ano de 1977 não existia o divórcio. O único instituto comparável a ele era o desquite, que não dissolvia a sociedade conjugal e impedia o novo casamento. Porém, mesmo diante de tantos empecilhos, nada impediu que relações extramatrimoniais fossem surgindo sem, contudo, o devido amparo legal. Mesmo com a promulgação da Lei do Divórcio em 1977 (Lei 6.515/77 e EC 9/77), como a família ainda lograva de uma visão matrimonial, o desquite se transformou em separação, passando então a vigorar duas formas de romper os vínculos sagrados: o divorcio e a separação. Na tentativa de manter a família unida, (“não separe o homem o que Deus uniu”), eram exigidos longos prazos, ou ainda a identificação de um culpado pela separação, dessa forma, ‘a vítima’ poderia intentar uma ação no processo de separação. O identificado como culpado pela destituição do casamento, perdia o direito a alimentos e era retirado o sobrenome do cônjuge. Também eram sujeitos a tais penalidades aquele que tomava a iniciativa de romper o vínculo matrimonial sem atribuir responsabilidades.
O surgimento de novos paradigmas, a mudança na realidade do país, e a evolução dos costumes desencadearam uma mudança na própria estrutura social. . Após a superação de obstáculos ainda maiores ao desenvolvimento da igualdade e democracia a nível nacional e internacional, como, por exemplo, a jovem luta política contra a ditadura, a evolução do movimento feminista, defendendo, entre outros pontos, a efetiva e justa inserção das mulheres no mercado de trabalho, e a revolução sexual.
Com todas essas transformações à baila, ocorreu a promulgação da Constituição Federal de 1988, carinhosamente conhecida como Constituição Cidadã, que renovou o significado da família, segundo sua organização, passando a disciplinar de forma igualitária todos os membros, bem como suas respectivas funções. Tanto que a isonomia familiar, preconizada pela CF/88, foi considerada uma das maiores conquistas sociais no Direito brasileiro.
A Constituição Federal de 1988 introduziu relevantes mudanças no conceito de família e no tratamento dispensada a essa instituição considerada a base da sociedade. Podem ser apontadas quatro vertentes básicas ditados pelos artigos 226 e seguintes da Carta Constitucional: a) ampliação das formas de constituição da família, que antes se circunscrevia ao casamento, acrescendo-se como entidades familiares a união estável e a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes; b) facilitação da dissolução do casamento pelo divórcio direto após dois anos de separação de fato, e pela conversão da separação judicial em divórcio após um ano; c) igualdade de direitos e deveres do homem e da mulher na sociedade conjugal, e d) igualdade dos filhos, havidos ou não do casamento, ou por adoção, garantindo-se a todos os mesmos direitos e deveres e sendo vedada qualquer discriminação decorrente de sua origem.
A Constituição concedeu igual proteção à família constituída pelo casamento quanto as uniões surgidas fora dele, que foram denominadas de uniões estáveis. Consagrou a igualdade dos filhos, havidos ou não no casamento, excluindo de vez a expressão filhos ilegítimos, concebeu a adoção como forma igualitária de filiação, proporcionando direitos e qualificações idênticas a da filiação biológica.
Os novos rumos assumidos pelo Direito de Família encontravam desafios para superar o sistema jurídico privado clássico e adequar-se ao modelo constitucional esculpido pela Constituição Federal de 1988, cuja estrutura é plural e fundada em princípios da promoção da dignidade humana, da solidariedade, onde a família é concebida como referencia de liberdade e igualdade, em busca da felicidade de seus membros.
Com efeito, a Lei Maior, rastreando os fatos da vida, viu a necessidade de reconhecer a existência de entidades familiares fora do casamento e, nessa senda, alargou o conceito de família, que antes, de forma completamente distanciada da realidade social, estava ligado apenas ao do matrimônio. Nesse sentido, a constituição de 1988 reconheceu formas entidades familiares à margem do casamento, evidenciando não ser essencial o nexo família-matrimônio, ou seja, o constituinte apreendeu a família sob o ponto de vista sociológico que não admite esse conceito unitário, mas reconhece que casamento e família são realidades distintas.
Após a carta Magna, o Código de 1916 perdeu sua função de lei fundamental do direito de família. O vigente Código Civil, que muitos doutrinadores ainda chamam de ‘novo’ entrou em vigor em janeiro de 2003. O projeto original contudo datava de 1975, sendo portanto anterior a Lei do Divórcio e a própria Constituição. Como estava em completo descompasso com o ordenamento jurídico, sofreu inúmeras alterações e emendas. Assim o nosso Código de2002, já nasceu velho, porém procurou sempre se adequar e atualizar sobretudo os aspectos pertinentes a família, e suas alterações sofridas no século XX.
Grande parte de Direito Civil está abarcado na Constituição, que acabou “enlaçando os temas sociais juridicamente relevantes para garantir-lhes efetividade” . A intervenção do Estado nas relações individuais permitiu que novo interprete reestrutura-se o Direito Civil a luz da CF/88.
Esse fato encontra respaldo, sobretudo nos moldes do Estado Social que interfere na vida privada dos cidadãos como forma de proteger seus interesses e direitos individuais, em face do Estado Liberal que privilegia antes e acima de tudo a liberdade. O Direito Civil então se constitucionalizou, e se distanciou do modelo individualista, patrimonialista e conservador da época do Código anterior.
O legislador constituinte alargou o conceito de família, baseado na nova realidade social, e concedeu juridicidade as relações existentes fora do casamento. Afastou a idéia de família com o pressuposto do casamento, identificando como família também a união estável entre um homem e uma mulher. A convivência com diversas esferas familiares, permite reconhecer que houve a necessidade de reestruturar o conceito de família, tida agora como um meio, uma entidade de proteção aos seus membros.

1.3. O Novo Conceito de Família e seus Novos Desenhos

O principal papel da família agora, é o suporte emocional que proporciona aos seus integrantes. Difícil consagrar a família com um único conceito, estático e imutável, pois a própria estrutura dos laços familiares é a sua dinamicidade.
Não obstante a consolidação de um conceito moderno sobre a família, recai sobre a entidade familiar que ultrapassa os limites da previsão jurídica (casamento, união estável e família monoparental) para abarcar todo e qualquer agrupamento de pessoas onde permeie o elemento afeto (affectio familiae). Em outras palavras, o ordenamento jurídico deverá sempre reconhecer como família todo e qualquer grupo no qual os seus membros enxergam uns aos outros como seu familiar.
Este conceito está intimamente ligado aos princípios constitucionais do Direito de Família que vêem no afeto sua base de sustentação, e foram incorporados pela nossa sociedade pós-moderna como forma de superação dos fatores de discriminação.
Na CF/88 pode-se perceber algumas referências, cuja sua interpretação nos leva ao principio da afetividade, tais são eles: 1. Principio da pluralidade, ou multiplicidade das entidades familiares, como forma de possibilidade afetiva de convívio ( 226, §§ 3º,4º); 2. Principio da igualdade entre homens e mulheres, no plano dos direitos e deveres (226, §5º); 3. Principio da igualdade entre os filhos, pois não pode haver discriminação no que diz respeito a origem filiatória (227, §6º); 4. Principio da paternidade responsável e planejamento familiar, é o direito a convivência familiar, que deve ser considerado prioridade absoluta da criança e do adolescente (227); 5. Principio da facilitação da dissolução do casa-mento, é a liberda de que o casal tem de extinguir o casamento ou a união estável, sempre que a afetividade acabar (226, §§ 3º e 6º). Os princípios constitucionais, da convivência em família, da igualdade entre as filiações biológica e afetiva, da cidadania e da dignidade da pessoa humana são o sustentáculo legal que o afeto foi incorporado na Constituição.
Na Carta Magna, pode-se perceber que o legislador trouxe uma inovação, pois a família não mais era centrada no instituto do casamento, agora permeavam dois valores básicos nessa relação: o afeto e a ética. A família-instrumento se constituía agora como meio de proteger o individuo, sendo uma entidade pluralizada, igualitária, democrática, hetero ou homoparental. Houve uma ruptura no caráter monolítico da família, e segundo a ilustre desembargadora Maria Berenice Dias a família e o casamento adquiriram um novo perfil, voltado muito mais a realizar os interesses afetivos e existenciais de seus integrantes.
Esta é a concepção eudemonista da família. A família é identificada pelo seu envolvimento afetivo, que assegura ao individuo relações muito mais de igualdade e de respeito mútuo. É a afetividade, e não à vontade o elemento constitutivo dos vínculos interpessoais: o afeto entre as pessoas é o que organiza e orienta o seu desenvolvimento. A família passou a ser uma unidade sócio-afetiva.
A família parte agora para uma concepção ampla, há uma pluralidade de entidades familiares, calcados nos valores da ética e do afeto. Para o Direito de Família adquirir esses referencias modernos, foi necessário um entrelaçamento entre as normas Constitucionais (em suma os artigos 226, §§ 1º ao 8º e 227) e Infraconstitucionais (o Código Civil e as leis Extravagantes).

1.3.1. Família Matrimonial

O casamento consagra o que a doutrina trata de estado matrimonial, onde os nubentes ingressam por vontade própria, por meio da chancela estatal. De fato, sempre se reconheceu que a formação da família surge da lei que celebra o casamento, assegura diretos e impõe deveres na esfera pessoal e patrimonial do individuo. “As pessoas têm a liberdade de casar, mas, uma vez que se decidam, a vontade delas se alheia e só a lei impera na regulamentação de suas relações”. .
A Igreja consagrou a união entre um homem e uma mulher como um sacramento indissolúvel: até que a morte os separe. Sua função precípua era a reprodução, e por isso surge o dever da mulher com o débito conjugal, como uma obrigação a prática sexual. Para o cristianismo, as relações afetivas são uma conseqüência única e exclusiva do casamento entre um homem e uma mulher com o devido fim da procriação. Essa cultura conservadora teve grande influencia do Estado, e muito influenciou o legislador que apenas disciplinou o casamento.
O Estado consagrou o casamento como uma instituição, e reconheceu juridicidade exclusivamente e exaustivamente a ele. O legislador civil de 1916 traçou o então perfil da família existente: matrimonializada, patriarcal, hierarquizada, patrimonializada e heterossexual. Só era reconhecida a família constituída pelo casamento, onde o homem exercia a chefia da sociedade, e por isso era merecedor de respeito e obediência da mulher e dos filhos.
O casamento era indissolúvel, e só podia ser desconstituído por anulação quando ocorresse erro essencial à personalidade ou pessoa do cônjuge. Foi a Lei do Divórcio que possibilitou o rompimento do vínculo matrimonial, modificou o regime de bens para o da comunhão parcial, e tornou facultativo o uso do apelido do marido pela mulher.
O ato de celebração do casamento dá origem à relação matrimonial, consagrando a comunhão de vida entre os noivos que passam a portar estado de casados. Ocorre ainda à alteração do estado civil dos consortes que de solteiros passam a ser casados. O casamento como uma relação complexa que é, gera direitos e deveres a ambos os cônjuges que estão disciplinados no artigo 231 do código Civil, são eles: Fidelidade recíproca; Vida em comum no domicílio conjugal; Mútua assistência; Sustento, guarda e educação dos filhos.
O casamento por fim, é um ato solene pelo qual duas pessoas, de sexo diferente, se unem para sempre, sob a promessa recíproca de fidelidade no amor e da mais estreita comunhão de vida. O casamento é um contrato, mas não um contrato qualquer, um contrato sui generis, devido aos aspectos religiosos, éticos, sociais envolvidos, e em especial o caráter afetivo.

1.3.2. Família Informal ou União Estável

A lei emprestava juridicidade apenas à família constituída pelo casamento. O legislador além de não regulamentar as relações extramatrimoniais, não lhe atribuía conseqüências jurídicas e rejeitava qualquer vínculo afetivo fora do casamento. Os filhos havidos fora do berço matrimonial eram considerados ilegítimos, e a mulher que aceitava conviver com um homem sem o vínculo matrimonial era chamada de concubina.
Mesmo sem o devido respaldo legal, as chamadas famílias informais não paravam de crescer e quando dissolvidas, procuravam o judiciário a fim de resolver os problemas decorrentes dela bem como seus respectivos ‘direitos’. O judiciário então teve que criar alternativas para evitar injustiças, foi assim eu tomou lugar a expressão companheira, como medida de reconhecimento dos direitos, esquecidos pela lei concubina.
Porem, o preconceito ainda era tão evidente no que tange essas relações que para atribuir direitos a mulher companheira, as uniões estáveis eram tidas como relações de trabalho e a mulher ganhava indenizações sobre os serviços domésticos prestados ao homem. Era aplicado por analogia o direito comercial, e as uniões eram consideradas sociedades de fato.
Essas estruturas familiares acabaram aceitas pela sociedade, sobretudo quando disciplinadas pela Constituição Federal de 1988, quando em seu artigo 226, § 3° conceituou a união estável como forma de entidade familiar. A legislação infraconstitucional que regulou essa nova modalidade de família não trouxe nenhuma modificação, apenas reproduziu o texto constitucional, impondo alguns requisitos para seu reconhecimento, gerando deveres e criando direitos.
O legislador infraconstitucional, todavia, não conferiu a união estável tratamento igualitário ao casamento, sobretudo no que diz respeito a partilha de bens e vocação hereditária. Quando a lei trata de forma diferente a união estável, esquece as garantias constitucionais que consagrou as entidades familiares, concedendo a todas igual proteção, não podendo, portanto sofrer quaisquer limitações ou restrições da legislação ordinária.

1.3.3. Família Monoparental

A CF/88 ao destrinchar o conceito de família, elencou também como entidade familiar a família formada por qualquer um dos pais e seus filhos (CF/88, artigo 226, §4°) . Os vínculos familiares formados por um genitor e seus descendentes, merecem especial proteção do Estado, por se configurar uma realidade, que teve como escopo, sobretudo a Lei do Divórcio.
Tais entidades familiares receberam o nome de famílias monoparentais, justificando a presença de apenas um genitor na titularidade do vinculo familiar. Costuma-se dizer que as famílias assim formadas possuem uma estrutura mais frágil porque, geralmente quem vive sozinho com o filho exerce também a função de provedor do lar, tendo então os encargos redobrados.
[...] é imperioso que o Estado atenda a tais peculiaridades e dispense proteção especial a esses núcleos familiares, seja privilegiando-os por meio de políticas publicas (por exemplo, na hora de comprovar renda para aquisição da casa própria), seja dando-lhes preferência ao realizar assentamentos.

1.3.4. Família Anaparental

Nem sempre o vinculo afetivo advindo da verticalidade é suficiente e único para se constituir uma família. A diferença de gerações pode e deve servir para dar base de sustentáculo ao legislador para reconhecer uma entidade familiar. Importante salientar este ponto porque o legislador pátrio olvidou-se de regulamentar as famílias assim ditas anaparentais.
A convivência entre parentes ou entre pessoas, ainda que não parentes, dentro de uma estruturação com identidade de propósito, impõe o reconhecimento da existência de uma entidade familiar a merecer o nome de família anaparental.
A longa convivência de dois primos sob o mesmo teto, em que ambas despedem esforços para conseguir formar um patrimônio sólido constitui uma entidade familiar. Na hipótese de morte prematura de um deles, somente o primo sobrevivente tem o direito de figurar na vocação hereditária, não cabendo a divisão dos bens o nenhum outro membro familiar.
Mesmo não existindo conotação sexual nessa união, a convivência de ambos simboliza a conjunção de esforços para desenvolver um acervo patrimonial, cabendo, portanto aplicar por analogia, como sugere a ilustre desembargadora Maria Berenice Dias as disposições do casamento ou até da união estável.

1.3.5. Família Homoafetiva

A homossexualidade sempre existiu desde os primórdios e, depois de um longo período de perseguição e restrição, hoje a sociedade já convive bem com esse fato social que não é novo, sendo sua aceitação progressiva. Contudo, muito há ainda para que o preconceito fique para trás e que a sociedade, enfim, possa encarar as uniões homoafetivas como entidade familiar possuidora de direitos e deveres.
Preconceito esse, enraizado inclusive no legislador constituinte e no infraconstitucional que se omitiram em legislar sobre as uniões homoafetivas. Pelo contrario, disciplinaram expressamente que a união estável é formada apenas pelo homem e pela mulher.
De fato, o equívoco da proposição que nega às uniões homoafetivas o status familiar está nas premissas invocadas para sustentá-la, pois responde afirmativamente a duas indagações centrais acerca do pluralismo da entidades familiares previsto na Constituição Federal, quais sejam, se há hierarquização axiológica entre elas e se constituem numerus clausus. A Constituição deve ser interpretada de forma coesa, pelo que não se pode jamais tomar determinada regra isoladamente, sem esquecer que ela está condicionada pela realidade histórica.
Para a Lei Maior, a proteção à família dá-se “nas pessoas de cada um dos que a integram” (art. 226, § 8º), tendo estes direitos oponíveis a ela e a todos (erga omnes). Quer dizer, sob a nova ótica constitucional, quer-se privilegiar a concepção eudemonista de entidade familiar a fim de que a família seja um instrumento para realização do ser humano.
Tutelar juridicamente a família é, antes, tutelar juridicamente o ser humano, pois é através da proteção à família, enquanto organismo social, que o Estado deve proteger a pessoa humana, dando-lhe dignidade e possibilitando o pleno desenvolvimento de suas virtudes.
Então, nesse passo, se as pessoas que vivem em comunidades afetivas diversas da do casamento, por livre escolha ou em virtude de circunstâncias existenciais, sua dignidade humana restará garantida apenas com o reconhecimento delas como entidades familiares, sem restrições ou discriminações e sem qualquer submissão de um modelo de família ao outro. Do mesmo modo, sobrepor uma entidade familiar à outra, privilegiando àquela em detrimento desta, significa, em última instância, desconstituir o princípio basilar da Constituição de que todos são iguais perante a lei.

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